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sábado, 15 de agosto de 2009

Capítulo 3 - Fenómeno

3. Fenómeno


Sinceramente, eu não estava sedento, mas decidi caçar novamente naquela noite. Uma pequena quantidade para prevenir.
O Carlisle veio comigo, não estávamos juntos sozinhos desde que voltei de Denali. Enquanto corríamos pela floresta negra, eu ouvi-o a pensar sobre aquele rápido adeus da semana passada.
Na sua memória, vi a maneira com que as minhas feições se tinham contraído num feroz desespero. Senti-o a surpreender-se e repentinamente a preocupar-se.
“Edward?”
“Eu tenho que ir Carlisle. Tenho que ir agora.”
“O que é que aconteceu?”
“Nada. Ainda. Mas irá acontecer se eu ficar.”
Ele alcançou o meu braço. Senti como o magoei quando recusei a mão.
“Eu não entendo.”
“Já alguma vez… já houve algum momento…”
Vi-me a dar um profundo suspiro, vi a selvagem luz dos meus olhos através do filtro da preocupação dele.
“Já alguma pessoa cheirou melhor para ti do que o resto das pessoas? Muito melhor?”
“Oh.”
Quando percebi que ele tinha entendido, o meu rosto descaiu com vergonha. Ele alcançou-me para me tocar, ignorando quando eu recuei de novo, e deixou a sua mão no meu ombro.
“Faz o que puderes para resistir, filho. Vou sentir a tua falta. Aqui, leva o meu carro. É mais rápido.”
Ele estava a perguntar-se agora se antes tinha feito a coisa certa, mandando-me para longe. Estava a perguntar-se se me tinha magoado com a sua falta de confiança.
“Não,” Sussurrei enquanto corria. “Aquilo era o que eu precisava. Poderia ter traído a tua confiança tão rapidamente se me tivesses dito para ficar.”
“Eu lamento que estejas a sofrer, Edward. Mas tens de fazer o que puderes para manter a criança Swan viva. Mesmo se isso signifique que terás que nos deixar novamente.”
“Eu sei, eu sei.”
“Por que é que voltaste? Sabes o quão feliz fico por te ter aqui, mas se isso é muito difícil…”
“Eu não gostei de me sentir um cobarde,” Admiti.
Nós abrandámos. Estávamos praticamente a caminhar através da escuridão agora.
“Melhor isso do que colocá-la em perigo. Ela vai partir dentro de um ano ou dois.”
“Tens razão, eu sei disso.” – Mas, pelo contrário, as palavras dele apenas me deixaram mais ansioso para ficar. A rapariga ia-se embora num ano ou dois…
O Carlisle parou de correr e eu parei com ele; ele virou-se para examinar a minha expressão.
Mas não te vais embora, não é?
Eu deixei cair a cabeça.
É por orgulho, Edward? Não há que ter vergonha por…
“Não, não é o orgulho que me prende aqui. Não agora.”
Sem lugar para ires?
Ri-me levemente. “Não. Isso não me iria impedir se quisesse realmente ir embora.”
“Nós vamos contigo, claro, se for isso que precisas. É só dizeres. É só pedires. Eles não terão má vontade com isso.”
Ergui uma das sobrancelhas.
Ele riu-se. “Sim, A Rosalie provavelmente teria, mas ela deve-te isso. Seja como for, é muito melhor para nós, irmos agora, sem ter causado nenhum dano, do que irmos mais tarde, depois de uma vida ter acabado” Todo o humor tinha acabado.
Fiquei com medo das suas palavras.
“Sim,” Concordei. A minha voz soou rouca.
Mas não vais partir?
Suspirei. “Eu devia.”
“O que é que te prende aqui, Edward? Não consigo entender…”
“Não sei se consigo explicar…” Mesmo para mim, não fazia sentido.
Ele mediu a minha expressão por um longo tempo.
Não, eu não consigo entender. Mas vou respeitar a tua privacidade, se preferes.
“Obrigado. É generoso da tua parte, visto que não dou privacidade a ninguém.” Com uma excepção. E eu ia fazer o que podia para impedir isso, não ia?
Todos nós temos as nossas peculiaridades. Ele riu-se novamente. Vamos?
Ele tinha acabado de sentir o rasto de um pequeno rebanho de veados. Era difícil reunir muito entusiasmo pelo que era, mesmo nas melhores circunstâncias, era um aroma que fazia tudo menos dar água na boca. Agora, com a memória do sangue fresco da rapariga na minha cabeça, este cheiro revirava-me o estômago.
Suspirei. “Vamos” - Concordei, apesar de saber que forçar mais sangue pela minha garganta não ia ajudar muito.
Ambos assumimos uma posição de caça e deixámos que o rasto guiasse e nos puxasse em silêncio para a frente.
Estava mais frio quando voltámos para casa. A neve derretida tinha congelado novamente; era como se um fino lençol de vidro cobrisse tudo - cada ponta de pinheiro, cada folha das plantas, cada lâmina de relva estava congelada.
Enquanto Carlisle se foi vestir para o seu primeiro turno no hospital, eu fiquei perto do rio, à espera que o sol nascesse. Sentia-me quase inchado com tanto sangue que tinha consumido, mas eu sabia que a falta de sede ia significar pouco quando me sentasse ao lado da rapariga outra vez.
Frio e estático como a pedra em que me sentei, encarei a água fria que corria ao lado da margem congelada, vi além daquela cena.
O Carlisle estava certo. Eu devia deixar Forks. Eles podiam espalhar alguma história para explicar a minha ausência. Intercâmbio na Europa. A visitar parentes distantes. Fuga adolescente. A história não importava. Ninguém ia questionar muito.
Ia demorar apenas um ano ou dois para que a rapariga desaparecesse. Ela ia seguir em frente com a vida dela. Ela tinha que seguir em frente com sua vida. Iria para a faculdade nalgum lugar, ia ficar mais velha, começar uma carreira, possivelmente até se ia casar com alguém. Eu conseguia imaginar isso. Conseguia ver a rapariga toda vestida de branco a andar num passo medido, de braço dado com o seu pai.
Foi estranho, a dor que aquela imagem me causou. Não conseguia entender aquilo. Eu estava com ciúmes, por que ela tinha um futuro que eu nunca iria ter? Aquilo não fazia sentido. Todos os humanos à minha volta tinham o mesmo potencial. Uma vida, e eu raramente tinha parado para os invejar.
Eu devia deixá-la com o seu futuro. Parar de arriscar a vida dela. Essa era a coisa mais acertada a fazer. O Carlisle escolhia sempre a maneira certa. Eu devia ouvi-lo agora.
O sol apareceu atrás das nuvens, e a luz fraca brilhou no vidro congelado
Mais um dia, decidi. Eu ia vê-la mais uma vez. Podia lidar com aquilo. Talvez mencionasse o meu desaparecimento pendente, preparar a história.
Isto ia ser difícil. Conseguia sentir isso na pesada relutância que já me estava a fazer pensar em desculpas para dar, para estender o prazo limite por dois dias, três, quatro… Mas eu ia fazer a coisa certa. Eu sabia que tinha de confiar no aviso de Carlisle. E eu também sabia que podia ser muito difícil tomar a decisão certa sozinho.
Demasiado difícil. Quanta desta relutância vinha da minha obsessiva curiosidade, e quanta vinha do meu insatisfeito apetite?
Fui para dentro para trocar de roupa, para ir à escola.
A Alice estava à minha espera, sentada no topo das escadas do terceiro andar.
Vais-te embora outra vez. – Acusou-me.
Suspirei e acenei com a cabeça.
Não consigo ver para onde é que estás a ir desta vez.“Ainda não sei para onde é que vou” - Sussurrei.
Eu quero que fiques.
Balancei minha cabeça.
Talvez eu e Jazz pudéssemos ir contigo?
“Eles vão precisar mais de ti agora, se não estiver aqui para olhar por eles. E pensa na Esme. Ias levar metade da família embora de uma vez?”
Vais fazê-la ficar tão triste.
“Eu sei. Por isso é que tens que ficar.”
Não é o mesmo sem ti aqui, sabes disso.
“Sim. Mas eu tenho que fazer o que é certo.”
Mas há várias maneiras certas, e muitas erradas, não há?
Por um curto momento ela foi até uma das suas estranhas visões; assisti juntamente com ela enquanto as imagens indistintas apareciam e giraram. Vi-me a mim mesmo dentro dessas visões com estranhas sombras que eu não conseguia compreender, enubladas, formas imprecisas.
E então, de repente, a minha pele estava a brilhar à luz do sol numa pequena e aberta clareira. Eu conhecia aquele lugar. Mas havia uma figura na clareira comigo, mas novamente, era indistinta, não havia ali o suficiente para reconhecer. As imagens tremeram e desapareceram quando um milhão de pequenas escolhas rearranjaram o futuro outra vez.
“Não percebi muito disso” – Disse-lhe quando a visão ficou escura.
Nem eu. O teu futuro está a mudar e mudar tanto que eu não consigo acompanhar. Mas eu acho que…
Ela parou, e vagueou por uma vasta colecção de outras visões recentes para mim. Eram todas iguais - borradas e vagas.
“Mas eu acho que algo está a mudar” - Disse em voz alta. “A tua vida parece estar numa encruzilhada.”
Ri-me, austero. “Tens noção de que agora soas a uma cigana mentirosa num parque de diversões, certo?”
Ela mostrou-me a sua pequena língua.
“Mas hoje está tudo bem, não é?” - Perguntei, com a minha voz abruptamente apreensiva.
“Não te vejo a matar ninguém hoje,” – Garantiu-me.
“Obrigado, Alice.”
“Vai mudar de roupa. Não vou dizer nada. Vou deixar que contes aos outros quando estiveres pronto.”
Ela levantou-se e seguiu escada abaixo, os seus ombros um pouco curvados. Vou sentir a tua falta. Muito.
Sim, eu também ia sentir a falta dela.
Foi uma viagem calma até à escola. O Jasper conseguia perceber que a Alice estava chateada com alguma coisa, mas ele sabia que se ela quisesse falar sobre isso já o teria feito. O Emmett e Rosalie estavam distraídos, a ter outro dos seus momentos, a olhar nos olhos um do outro com admiração. Era um tanto ou quanto nojento de se assistir pelo lado de fora. Nós todos já sabíamos o quão desesperadamente apaixonados eles estavam. Ou talvez eu apenas estivesse amargo por ser o único sozinho. Alguns dias eram piores do que outros de se conviver com três casais perfeitos e apaixonados. Este era um desses dias.
Talvez eles fossem mais felizes sem mim por perto, com o meu mau temperamento, mau e hostil como o idoso que eu devia ser por agora.
Claro, a primeira coisa que fiz quando chegámos à escola foi procurar a rapariga. Apenas para me preparar novamente.
Certo.
Era embaraçoso como o meu mundo de repente parecia estar vazio de tudo, menos dela. Toda a minha existência centrada à volta daquela rapariga, em vez de mim mesmo.
Mas realmente, era fácil de entender. Depois de oitenta anos da mesma coisa, todos os dias, todas as noites, qualquer mudança era motivo de interesse.
Ela ainda não tinha chegado, mas eu conseguia ouvir o barulho dos travões do motor da sua carrinha ao longe. Encostei-me ao lado do carro para esperar. A Alice esperou comigo, enquanto os outros foram directamente para as suas aulas. Estavam aborrecidos com a minha fixação. Era incompreensível para eles como qualquer humano podia despertar tanto interesse em mim por tanto tempo, independentemente de quão delicioso o cheiro dela fosse.
A rapariga entrou aos poucos no meu campo de visão, os seus olhos estavam na estrada e as suas mãos a segurar o volante com força. Parecia estar ansiosa com alguma coisa. Levei um segundo a entender o que é que esse algo era, para perceber que todos os humanos tinham a mesma expressão hoje. Ah, a estrada estava escorregadia por causa do gelo, e eles estavam todos a conduzir com cuidado. Eu conseguia perceber que ela levava o risco a sério.
Aquilo parecia encaixar-se no pouco que eu já aprendera sobre a sua personalidade. Adicionei aquilo à pequena lista: ela era uma pessoa séria, responsável.
Estacionou não muito longe de mim, mas ainda não tinha notado a minha presença, a olhar para ela. Perguntei-me sobre o que ela iria fazer quando percebesse. Iria corar e ir embora?
Aquele era o meu primeiro palpite. Mas talvez ela olhasse para mim também. Talvez ela viesse falar comigo.
Inspirei fundo, a encher os meus pulmões, esperançoso, apenas por precaução.
Ela saiu da cabina da carrinha com cuidado, testando o chão escorregadio antes que pusesse o seu peso todo nele. Não olhou para cima, e isso frustrou-me. Talvez eu devesse falar com ela…
Não, isso seria errado.
Em vez de se virar em direcção à escola, ela caminhou até a traseira da carrinha, segurando-se na parte lateral dela de uma forma atrapalhada, não confiando nos seus passos. Isso fez-me sorrir, e eu senti os olhos de Alice na minha cara. Não ouvi o que quer que fosse que aquilo a fez pensar. Eu estava a divertir-me muito a observar a rapariga a olhar para as correntes nos pneus. Ela parecia realmente que estava prestes a escorregar, da maneira que seus pés deslizavam no chão. Mais ninguém parecia ter o mesmo problema. Será que ela tinha estacionado na pior parte do gelo?
Parou por um momento, e olhou para os pneus com uma expressão estranha no rosto. Era… emocional? Como se algo em relação aos pneus a deixasse… emocionada?
Novamente, a curiosidade magoou-me como a sede. Era como se eu precisasse de saber o que é que ela estava a pensar, como se mais nada importasse.
Eu ia falar com ela. Parecia que precisava de uma ajuda de qualquer das maneiras, pelo menos até que estivesse fora da zona escorregadia de gelo. Claro, eu não lhe podia oferecer isso não é? Hesitei, dividido. Tão adversa que ela parecia em relação à neve, dificilmente ia achar agradável o toque das minhas mãos brancas e frias. Eu devia ter trazido luvas…
“NÃO!” Alice ofegou alto.
Instantaneamente, li os seus pensamentos, a imaginar que eu devia ter feito uma escolha errada, e que ela me tinha visto a fazer algo imperdoável. Mas não tinha rigorosamente nada a ver comigo.
O Tyler Crowley decidiu fazer a curva do estacionamento rápido demais. Essa escolha ia fazê-lo deslizar no gelo…
A visão aconteceu menos de meio segundo da realidade. A carrinha de Tyler virou a esquina enquanto eu assistia ao final que deixou a Alice sem fôlego.
Não, esta visão não tinha nada a ver comigo, mas ainda assim tinha tudo a ver comigo, porque a carrinha de Tyler - com os pneus agora a tocar no gelo no pior ângulo possível - ia rodopiar pelo estacionamento e bater na rapariga que se tornara o centro não intencional do meu mundo.
Mesmo sem que a Alice previsse, teria sido fácil adivinhar a trajectória do veículo, a sair do controlo de Tyler.
A rapariga, parada exactamente no lugar errado da traseira da carrinha, olhou para cima, confusa com o barulho dos pneus a raspar no asfalto. Ela olhou directamente para os meus olhos horrorizados, e virou-se para observar a sua morte iminente.
Ela, não! As palavras gritaram na minha mente, como se pertencessem a outra pessoa.
Ainda preso aos pensamentos de Alice, percebi que a visão de repente se tinha mudado, mas não tive tempo para ver o que ia acontecer.
Lancei-me pelo estacionamento, mandando-me entre a carrinha desgovernada e a rapariga petrificada. Movimentei-me tão depressa que tudo parecia desfocado, menos o objecto em que eu estava focado. Ela não me viu, nenhum olho humano conseguiria acompanhar a minha movimentação, ela ainda estava a encarar a sombra que estava prestes espalmar-lhe o corpo na estrutura metálica de sua carrinha.
Agarrei-a pela cintura, movendo-me com demasiada urgência para ser tão gentil quanto devia. No centésimo de segundo entre o tempo que levei para tirá-la do caminho da morte e o tempo que levei para cair no chão com ela nos meus braços, eu estava vividamente consciente da fragilidade do seu corpo.
Quando ouvi a sua cabeça a bater contra o gelo, senti-me como se me tivesse tornado gelo também.
Mas eu não tinha nem sequer um segundo inteiro para me certificar da sua condição. Ouvi a carrinha atrás de nós, a girar barulhenta enquanto batia no corpo metálico da pick-up da rapariga. Estava a mudar de direcção, virando-se, a vir até ela outra vez, como se ela fosse um íman, a puxá-la para nós.
Uma palavra que nunca tinha dito na presença de uma senhora escapou-se entre os meus dentes cerrados.
Eu já tinha feito demasiado. Enquanto quase voava pelo ar para a tirar do caminho, eu estava consciente do erro que estava a cometer. Saber que era um erro não me impediu, mas eu não estava alheio ao risco que estava a correr. Não apenas para mim, mas para toda a minha família.
Exposição.
E isto certamente que não ia ajudar, mas não havia a menor hipótese de eu deixar a carrinha obter sucesso na sua segunda tentativa de tirar a vida da rapariga.
Larguei-a e levantei as minhas mãos, agarrando a carrinha antes que ela conseguisse tocar na rapariga. A força do movimento lançou-me contra o carro parado ao lado da pick-up, e eu conseguia sentir sua forma a afundar-se pelos meus ombros. A carrinha tremeu contra o obstáculo que eram os meus braços, e depois abanou, balançando instável nos dois pneus mais afastados.
Se eu mexesse as mãos, o pneu traseiro da carrinha ia cair nas pernas dela.
Oh, pelo amor de tudo o que é sagrado, será que as catástrofes nunca iam acabar? Havia mais alguma coisa para correr mal? Eu não podia ficar ali, a segurar a carrinha no ar, e ficar à espera de resgate. Nem podia mandar a carrinha para longe. Tinha de considerar o motorista, com os seus pensamentos incoerentes pelo pânico.
Com um rugido interno, empurrei a carrinha para que ela se afastasse de nós por um instante. Assim que se balançou outra vez na minha direcção, segurei-a por debaixo do pára-choques com a minha mão direita enquanto enrolava outra vez o meu braço esquerdo à volta da cintura da rapariga e a arrastava de debaixo da carrinha, puxando-a apertada ao meu lado. O seu corpo mole moveu-se enquanto eu a virava para que as suas pernas estivessem livres. Será que ela estava consciente? Quantos danos ter-lhe-ia infligido na minha desastrosa tentativa de resgate?
Deixei a carrinha cair, agora que já não a podia mais magoar. Ela bateu no pavimento, as janelas partiram-se em uníssono.
Eu sabia que estava no meio de uma crise. Quanto é que ela teria visto? Mais alguém me tinha visto aparecer ao lado dela e depois a agarrar a carrinha enquanto tentava tirar a rapariga lá de baixo? Essas questões deviam ser minha maior preocupação.
Mas eu estava demasiado ansioso para me importar realmente com a ameaça de exposição como devia. Demasiado em pânico por saber que a podia ter magoado com o meu esforço em protegê-la. Demasiado assustado por tê-la tão próxima a mim, sabendo que assim eu ia sentir o seu cheiro se me permitisse respirar. Estava demasiado consciente do calor do seu corpo macio, pressionado contra o meu, mesmo através do obstáculo duplo dos nossos casacos, eu conseguia sentir o calor…
O primeiro medo foi o maior. Quando os gritos das testemunhas elevaram-se à nossa volta, inclinei-me para examinar a sua cara, para ver se ela estava consciente, esperando ansiosamente para que ela não estivesse a sangrar.
Os olhos dela estavam abertos, a olhar em choque.
“Bella?” Perguntei urgentemente. “Estás bem?”
“Estou óptima.” Disse, as suas palavras soaram automáticas num atordoado.
O alívio, tão bom que era quase doloroso, passou por mim com o som da sua voz. Inspirei um bocado entre os meus dentes, e não me importei com a queimadura na minha garganta. Quase que lhe dei as boas-vindas.
Ela debateu-se para se sentar, mas eu não estava pronto para a soltar. Parecia mais… seguro? Melhor, pelo menos, tê-la encostada a mim.
- Tem cuidado. - Avisei-a. - Acho que bateste com a cabeça com bastante violência.
Não havia cheiro de sangue fresco no ar, misericórdia, mas isso não queria dizer nada sobre danos internos. Eu estava abruptamente ansioso para a levar ao Carlisle e ao seu completo equipamento de radiologia.
- Au. - Disse, o seu tom estava comicamente chocado quando percebeu que eu tinha razão sobre a sua cabeça.
- Bem me parecia. - O alívio foi engraçado para mim, fez-me quase ficar tonto.
- Que diabos… - A sua voz falhou, e os seus olhos tremeram. - Como é que chegaste aqui tão depressa?
O alívio tornou-se azedo, o humor desapareceu. Ela tinha percebido de mais.
Agora que parecia que a rapariga estava em forma decente, a ansiedade pela minha família tornou-se severa.
- Estava mesmo a teu lado, Bella. - Eu sabia por experiência que se eu tivesse muita auto-confiança a mentir, fazia com que o questionador se sentisse menos seguro da verdade.
Ela esforçou-se para se mexer outra vez, e desta vez eu permiti. Eu precisava de respirar para fazer o meu papel correctamente, precisava de espaço do seu corpo caloroso, delicioso e quente para que não se combinasse com o seu cheiro para darem cabo de mim. Eu deslizei para longe dela, o mais longe o possível no pequeno espaço entre os destroços dos veículos.
Ela olhou para mim e eu olhei-a também. Ser o primeiro a desviar o olhar seria um erro que apenas um mentiroso incompetente poderia fazer, e eu não era um mentiroso incompetente. A minha expressão estava suave, benigna… Pareceu confundi-la. Isso era bom.
A cena do acidente estava cercada agora. Maioritariamente estudantes, crianças, colegas a empurrarem-se para ver se algum corpo estava visível. Havia ali uma data de gritos misturados com pensamentos chocados. Investiguei os pensamentos uma vez para me certificar que ainda ninguém desconfiava, depois desliguei-os e concentrei-me apenas na rapariga.
Ela estava distraída por causa da confusão. Olhou à volta, a sua expressão continuou chocada, e tentou-se levantar.
Pus a minha mão levemente no seu ombro para pará-la.
- Fica quieta por agora. - Ela parecia bem, mas devia estar mesmo a mover o pescoço? De novo, ansiei pelo Carlisle. Os meus anos como estudante teórico de medicina não se igualavam com os seus séculos de medicina prática.
- Mas está frio. - Ela reclamou.
Ela tinha quase sido esmagada até a morte duas vezes de formas diferentes e tinha-se magoado uma vez mais, e era o frio que a estava a incomodar. Um riso escapou-se de entre os meus dentes, antes que me apercebesse que a situação não era engraçada.
A Bella piscou os olhos, e os seus olhos focaram-se no meu rosto. “Tu estavas além.”
Aquilo pôs-me sóbrio outra vez.
Ela olhou para trás, apesar de não haver mais nada para olhar a não ser a carrinha amassada.
- Estavas junto do teu carro.
- Não, não estava.
- Eu vi-te. – Insistiu, a voz dela era infantil quando era teimosa. O seu queixo sobressaiu-se.
- Bella, eu estava contigo e puxei-te para te afastar da trajectória da carrinha.
Fitei-a até bem fundo nos seus olhos intensos, tentando convencê-la a aceitar a minha versão, a única racional disponível.
O queixo dela endureceu-se. - Não.
Tentei ficar calmo, não entrar em pânico. Se eu a pudesse manter calada por alguns momentos, para me dar uma oportunidade de destruir a prova… e negar a história dela alegando uma lesão na cabeça.
Não devia ser fácil manter esta rapariga silenciosa e reservada, calada? Se ela ao menos confiasse em mim, só por alguns instantes…
-Por favor, Bella. - Disse, e a minha voz estava muito intensa, porque de repente eu queria que ela confiasse em mim. Queria muito, e não só por causa do acidente. Que vontade estúpida. Que sentido faria ela confiar em mim?
- Porquê? – Perguntou-me, ainda na defensiva.
- Confia em mim. - Pedi.
- Prometes explicar-me tudo mais tarde?
Fez-me zangado ter que lhe mentir outra vez, quando eu queria tanto ser merecedor da sua confiança. Então, quando lhe respondi, foi apenas para responder.
- Tudo bem.
- Tudo bem. - Respondeu no mesmo tom.
Enquanto a tentativa de resgate começava à nossa volta - adultos a chegarem, as autoridades foram chamadas, sirenes à distância - tentei ignorar a rapariga e colocar as minhas prioridades em ordem. Procurei em cada mente do estacionamento, das testemunhas e das que chegaram depois, mas não consegui encontrar nada de perigoso. Muitos estavam surpreendidos ao verem-me ao lado de Bella, mas todos concluíram - porque não havia mais nenhuma conclusão a tirar-se - que não tinham reparado em mim parado ao lado da rapariga antes do acidente.
Ela era a única que não aceitava a explicação mais fácil, mas também seria considerada a testemunha menos viável. Ela estava aterrorizada, traumatizada, para não falar da pancada na cabeça. Estava possivelmente em choque. Seria aceitável para a história dela estar confusa, certo? Ninguém lhe ia dar atenção com tantos outros espectadores.
Encolhi-me quando ouvi os pensamentos de Rosalie, Jasper e Emmett, que chegavam agora à cena. Seria o inferno pagar por isto à noite…
Eu queria resolver o problema da mossa que os meus ombros tinham deixado no carro acastanhado, mas a rapariga estava perto de mais. Teria que esperar até que ela estivesse distraída.
Era frustrante esperar - tantos olhos humanos em mim - enquanto os humanos lutavam com a carrinha, tentando afastá-la de nós. Eu podia ter ajudado, apressado o processo, mas já estava com problemas suficientes e a rapariga tinha olhos atentos. Finalmente, eles conseguiram afastá-la para longe o suficiente para que os paramédicos entrassem com as macas.
Um rosto grisalho e familiar apareceu.
- Olá Edward. - Disse Brett Warner. Ele também era um enfermeiro registado, e eu conhecia-o bastante bem do hospital. Foi um golpe de sorte - a única sorte de hoje - foi ele quem chegou primeiro até nós. Nos seus pensamentos, ele estava a reparar que eu parecia alerta e calmo. - Estás bem, miúdo?
- Perfeito, Brett. Nada me tocou. Mas receio que aqui a Bella talvez tenha uma concussão. Ela bateu mesmo bem com a cabeça quando a desviei…
Brett virou a sua atenção para a rapariga, que me lançou um olhar traído. Ah, pois era. Ela era o tipo de mártir calado - preferia sofrer em silêncio.
Mas ela não contradisse a minha história imediatamente, e isso deixou-me melhor.
O paramédico seguinte tentou insistir que eu me deixasse ser tratado, mas não foi muito difícil desencorajá-lo. Prometi que ia deixar o meu pai examinar-me, e ele desistiu. Com a maioria dos humanos, falar com confiança era necessário. Com a maioria dos humanos, menos a rapariga, é claro. Será que ela se encaixava em algum padrão?
Quando lhe puseram o colar cervical no pescoço – e o seu rosto ficou vermelho com vergonha - usei a distracção para arranjar silenciosamente a forma do amassado no carro acastanhado com o meu pé. Só os meus irmãos é que repararam no que eu estava a fazer, e ouvi a promessa mental de Emmett que arranjava o que me tivesse escapado.
Agradecido pela ajuda dele – e ainda mais agradecido por Emmett, pelo menos, já ter perdoado a minha escolha perigosa - fiquei mais relaxado quando subi para banco da frente da ambulância ao lado de Brett.
O chefe de polícia chegou antes que tivesse colocado Bella no fundo da ambulância.
Embora os pensamentos do pai de Bella estivessem além das palavras, o pânico e a preocupação que emanavam da mente do homem destacavam-se das mentes nos arredores. Ansiedade e culpa sem palavras, muito dos dois sentimentos passaram por ele quando viu a sua única filha na maca.
Passaram por ele e passaram para mim, ecoando e ficando mais fortes. Quando a Alice me tinha avisado que matar a filha de Charlie Swan iria matá-lo também, ela não estava a exagerar.
A minha cabeça curvou-se com culpa enquanto ouvia a sua voz em pânico.
- Bella! - Gritou.
- Está absolutamente tudo bem comigo, Char… pai. - Suspirou. - Não há nada de errado comigo.
A garantia dela não acalmou o terror dele. Ele virou-se para o paramédico mais perto e pediu mais informação.
Não foi até eu o ter ouvido falar, formando frases perfeitamente coerentes tirando o seu pânico que eu percebi que a ansiedade e preocupação dele não eram além das palavras. Eu apenas… não conseguia ouvir as palavras exactas.
Hum. Charlie Swan não era tão silencioso como a filha, mas eu conseguia ver de onde ela tinha herdado. Interessante.
Nunca tinha passado muito tempo á volta do chefe de polícia da cidade. Considerei-o sempre um homem de raciocínio lento - e agora percebi que eu é que era lento. Os pensamentos dele eram parcialmente ocultos, não ausentes. Eu só conseguia ouvir o carácter deles, o tom…
Queria ouvir com mais atenção, ver se conseguia encontrar naquela nova pequena peça a chave para os segredos da rapariga. Mas a Bella foi posta na parte traseira da ambulância, e a ambulância estava a seguir o seu caminho.
Era difícil desviar-me daquela possível solução para o mistério que me tinha deixado obcecado. Mas eu tinha que pensar agora - ver o que tinha sido feito hoje de cada ângulo. Eu tinha que ouvir, ter a certeza de que não nos tinha colocado a todos em tanto perigo que teríamos de partir imediatamente. Tinha que me concentrar.
Não havia nada nos pensamentos dos paramédicos para me preocupar. Até onde eles sabiam, não havia nada de errado com a rapariga. E a Bella estava a manter a história que eu tinha contado, até agora.
A prioridade, quando chegámos ao hospital, era ver Carlisle. Corri pelas portas automáticas, mas fui incapaz de abrir mão de assistir a Bella. Continuei a prestar atenção através dos pensamentos dos paramédicos.
Foi fácil encontrar a mente familiar do meu pai. Ele estava no seu escritório pequeno, sozinho - o segundo golpe de sorte deste dia azarado.
- Carlisle.
Ele ouviu-me aproximar, e ficou alarmado assim que viu a minha cara. Ficou em pé, pálido como um fantasma. Inclinou-se para a frente da mesa de nogueira organizada.
Edward, tu não…
- Não, não, não é isso.
Ele respirou fundo. Claro que não. Desculpa por ter pensado nisso. Os teus olhos, claro, eu devia percebido… Ele reparou que os meus olhos ainda eram dourados com alívio.
- Mas ela está magoada, Carlisle, provavelmente não é grave, mas…
- O que é que aconteceu?
- Um acidente de carro estúpido. Ela estava no lugar errado à hora errada. Mas eu não podia ficar lá parado, deixar que fosse atropelada…
Começa de novo, não estou a perceber. Como é que estás envolvido nisso?
- Uma carrinha derrapou no gelo. - Sussurrei. Olhei para a parede atrás dele enquanto falava. Em vez de estar coberta com diplomas, ele só tinha uma pintura a óleo, uma das suas favoritas, um Hassam não descoberto. - Ela estava no caminho da carrinha. A Alice viu aquilo acontecer, mas não havia tempo para fazer nada senão correr pelo estacionamento e tirá-la da frente. Ninguém reparou… excepto ela. Eu tive que parar a carrinha também, mas de novo, ninguém viu… a não ser ela. Eu… lamento imenso, Carlisle. Não nos queria colocar em perigo.
Ele deu a volta à mesa e pôs a mão no meu ombro.
Fizeste a coisa certa. Não deve ter sido fácil para ti. Estou orgulhoso, Edward.
Olhei-o nos olhos. - Ela sabe que se passa alguma coisa… de errado comigo.
- Isso não importa. Se tivermos que ir embora, iremos. O que é que ela disse?
Abanei a cabeça, um pouco frustrado. - Nada, ainda.
Ainda?
- Ela concordou com a minha versão dos eventos… mas está à espera de uma explicação.
Ele franziu a testa, a pensar.
- Ela bateu com a cabeça. Bom, eu fiz isso. - Continuei rapidamente. – Atirei-a contra o chão com bastante força. Ela parece bem, mas… Acho que não será difícil desacreditá-la.
Senti-me horrível só de dizer as palavras.
Carlisle ouviu o desgosto na minha voz. Talvez isso não seja necessário. Vamos ver o que acontece, está bem? Parece que tenho uma paciente para ir ver.
- Por favor. – Disse-lhe. – Estou tão preocupado que a tenha magoado.
A expressão de Carlisle aliviou-se. Ele passou o dedo pelo cabelo, só alguns tons mais claro que os seus olhos dourados, e riu-se.
Tem sido um dia interessante para ti, não tem?
Na sua mente, eu conseguia ver a ironia, e era engraçada, para ele, pelo menos. Uma inversão de papéis. Durante aquele momento curto e inconsciente em que corri pelo parque de estacionamento congelado, eu tinha passado de assassino a protector.
Ri-me com ele, lembrando-me da certeza que tive de que Bella nunca precisaria de protecção de nada além de mim mesmo. O meu riso tinha um tom irritado porque, apesar da carrinha, isso ainda era verdade.
Esperei no escritório de Carlisle, uma das horas mais compridas que já vivi, enquanto ouvia o hospital cheio de pensamentos.
Tyler Crowley, o motorista da carrinha, parecia estar mais magoado que Bella, e a atenção voltou-se para ele enquanto ela esperava a sua vez de fazer um raio-X. Carlisle ficou no fundo, confiando no diagnóstico dos residentes de que a rapariga só estava levemente magoada. Isso deixou-me ansioso, mas sabia que ele tinha razão. Uma espreitadela ao rosto dele e ela ia imediatamente lembrar-se de mim, do facto que havia algo de errado com a minha família, e talvez isso a fizesse dizer algo.
Ela tinha de certeza um parceiro disposto o suficiente para conversar. Tyler estava consumido por culpa com o facto de a ter quase matado, e não conseguia parar de falar sobre isso. Eu conseguia ver a expressão dela através dos olhos dele, e era óbvio que ela queria que ele parasse. Como é que ele não via aquilo?
Houve um momento tenso para mim quando Tyler perguntou como é que ela tinha saído da frente da carrinha.
Eu esperei, sem respirar, enquanto ela hesitou.
- Hum… - ele ouviu-a dizer. Então ela fez uma pausa tão longa que Tyler se perguntou se a sua pergunta a tinha confundido. Finalmente, ela continuou. - O Edward puxou-me e afastou-me da trajectória da carrinha.
Expirei. E depois a minha respiração acelerou. Eu nunca a tinha ouvido dizer o meu nome antes. Gostei do som, mesmo só estando a ouvir pelos pensamentos de Tyler. Queria ouvir com meus próprios ouvidos…
- Edward Cullen. - Disse, quando Tyler não entendeu de quem é que ela tinha falado. Dei por mim à porta, de mão na maçaneta. O desejo de a ver estava a ficar mais forte. Tive que me lembrar para ter cuidado.
- Estava junto a mim.
- Cullen? - Hum. Que estranho. - Não o vi… - Podia ter jurado… - Ena, suponho que tudo aconteceu muito rapidamente. Ele está bem?
- Julgo que sim. Está algures por aqui, mas não o obrigaram a usar uma maca.
Vi o olhar pensativo na cara dela, a suspeita a ficar mais forte nos seus olhos, mas essas pequenas mudanças de expressão foram perdidas pelo Tyler.
Ela é bonita. Estava ele a pensar, quase surpreendido. Mesmo nesta trapalhada. Não faz o meu tipo, mas… devia convidá-la para sair. Compensar por hoje…
Já estava no corredor, a meio caminho da sala de emergência, sem pensar por um segundo no que estava a fazer.
Por sorte, a enfermeira entrou na sala antes de mim, era a vez de Bella ir fazer o raio-X. Encostei-me à parede num canto escuro e tentei controlar-me enquanto ela era levada para longe.
Não importava que Tyler pensasse que ela era bonita. Qualquer um ia notar isso. Não havia razão para me sentir… Como é que eu me sentia? Aborrecido? Ou furioso estava mais perto da verdade? Isso não fazia sentido nenhum.
Fiquei onde estava o máximo de tempo que pude, mas a impaciência venceu-me e dei meia volta para sala de radiologia. Ela já tinha sido levada de volta para o serviço de urgências, mas eu podia dar uma olhadela nos seus raio-X enquanto a enfermeira não voltava.
Senti-me mais calmo quando vi. A sua cabeça estava bem. Eu não a tinha magoado, não exactamente.
Carlisle apanhou-me lá.
Pareces melhor. - Comentou.
Eu apenas olhei para a frente. Nós não estávamos sozinhos, os corredores cheios de médicos e visitantes.
Ah, sim. Ele prendeu o raio-X no quadro iluminado, mas eu não precisava de olhar uma segunda vez. Estou a ver. Ela está absolutamente bem. Muito bem, Edward.
O som da aprovação do meu pai criou uma reacção mista em mim. Eu teria ficado contente, excepto que eu sabia que ele não aprovaria o que eu ia fazer agora. Pelo menos, não aprovaria se soubesse das minhas reais motivações…
- Eu acho que vou conversar com ela, depois de te ver. - Suspirei. - Agir naturalmente, como se nada tivesse acontecido. Acalmar os ânimos. - Todas razões aceitáveis.
Carlisle acenou ausente, ainda a olhar para o seu raio-X. - Boa ideia. Hum...
Olhei para ver o que é que o tinha interessado.
Olha para todas as contusões cicatrizadas! Quantas vezes será que a mãe dela a deixou cair?
O Carlisle sorriu para si mesmo pela sua brincadeira.
- Eu estou a começar a achar que esta rapariga tem apenas má sorte. Sempre no lugar errado na hora errada.
Forks é certamente o lugar errado para ela, contigo aqui.
Estremeci.
Vai em frente. Acalma as coisas. Juntar-me-ei a ti dentro de momentos.
Saí rapidamente, sentindo-me culpado. Talvez eu fosse um mentiroso muito bom, se conseguia enganar Carlisle.
Quando cheguei ao serviço de urgências, o Tyler estava a resmungar sob a sua respiração, ainda a desculpar-se. A rapariga estava a tentar escapar do remorso dele tentando dormir. Os olhos dela estavam fechados, mas a sua respiração não estava contínua, e por uma vez e por outra os dedos dela torciam-se impacientemente.
Olhei para a cara dela por um longo tempo. Esta era a última vez que eu a ia ver. Isso disparou uma dor aguda no meu peito. Seria porque eu odiava deixar qualquer quebra-cabeças sem solução? Isso não parecia ser uma explicação suficiente.
Finalmente, respirei fundo e fiquei à vista.
Quando o Tyler me viu, começou a falar, mas eu pus um dedo nos meus lábios.
- Ela está a dormir? - Murmurei.
Os olhos de Bella abriram-se rapidamente e focaram-se na minha cara. Arregalaram-se por um momento, e depois ficaram estreitos com raiva ou suspeita. Lembrei-me que tinha um papel para desempenhar, então sorri-lhe como se nada incomum tivesse acontecido esta manhã - apenas uma pancada na cabeça e um pouco de imaginação livre.
“Eh, Edward,” Tyler disse. “Eu lamento profundamente…”
Levantei uma mão para parar com as suas desculpas. “Não havendo sangue, não há problema” Disse-lhe com humor. Sem pensar, sorri demasiado largamente por causa da minha brincadeira particular.
Era incrivelmente fácil ignorar Tyler, deitado não mais que 1.20m de mim, coberto de sangue fresco. Nunca tinha entendido como é que Carlisle era capaz de fazer aquilo, ignorar o sangue de seus pacientes para cuidar deles. Não seria a constante tentação demasiado perigosa…? Mas, agora… Eu conseguia ver como, se estivesses a concentrar-me nalguma coisa com força o suficiente, a tentação não era nada de especial.
Apesar de fresco e exposto, o sangue de Tyler não tinha nada a ver com o de Bella.
Eu mantive a minha distância dela, sentando-me aos pés do colchão de Tyler.
“Então, qual é o veredicto?” Perguntei-lhe.
Ela lamentou-se. “Não há absolutamente nada de errado comigo, mas não me deixam ir embora. Como é que não estás amarrado a uma maca como nós?”
A sua impaciência fez-me sorrir novamente.
Conseguia ouvir o Carlisle no corredor agora.
“Tudo depende dos nossos conhecimentos” Disse suavemente. “Mas não te preocupes, vim libertar-te.”
Assisti à sua reacção cuidadosamente enquanto o meu pai entrava na sala. Os olhos dela arregalaram-se e sua boca abriu-se mesmo com a surpresa. Gemi internamente. Sim, ela tinha certamente notado a semelhança.
“Então, menina Swan, como se sente?” Carlisle perguntou. Ele tinha uma maneira maravilhosamente calma que deixava a maioria dos pacientes bem em poucos momentos. Não conseguia saber como é que afectou a Bella.
“Estou óptima” - Disse calmamente.
O Carlisle fixou os seus raio-X no painel de luz acima da cama. “As suas radiografias parecem estar bem. Dói-lhe a cabeça? O Edward comentou que bateu com a cabeça com bastante violência.”
Ela suspirou, e disse “A minha cabeça está óptima” novamente, mas desta vez a impaciência notou-se na sua voz. Depois olhou de relance na minha direcção.
Carlisle aproximou-se dela e passou os seus dedos levemente pelo seu crânio até que encontrou o galo de baixo do cabelo.
Eu fui apanhado de surpresa pela onda de emoção que passou por mim.
Eu tinha visto o Carlisle a trabalhar com humanos milhares de vezes. Anos atrás, eu até o tinha ajudado informalmente - embora apenas em situações em que o sangue não estava envolvido. Portanto não era uma coisa nova para mim, assisti-lo a interagir com a rapariga como se fosse tão humano quanto ela. Eu tinha invejado o controlo dele tantas vezes, mas não era o mesmo que esta emoção. Eu invejei mais do que o seu controlo. Sofri pela diferença entre mim e o Carlisle, que ele pudesse tocá-la tão gentilmente, sem medo, sabendo que nunca a iria magoar…
Ela estremeceu, e eu mexi-me no meu assento. Tive que me concentrar por um momento para manter minha a postura relaxada.
“Está dorido?” Carlisle perguntou.
O seu queixo levantou-se um bocado. “Nem por isso” Disse.
Outro pequeno pedaço de sua personalidade encaixou-se: ela era corajosa. Não gostava de mostrar fraqueza.
Possivelmente a criatura mais vulnerável que eu já tinha visto, e não quer parecer fraca. Um riso abafado escorregou através de meus lábios.
Ela olhou-me novamente.
“Bem,” O Carlisle disse. “O seu pai está na sala de espera, já pode ir com ele para casa. Mas volte cá se sentir tonturas ou se tiver qualquer problema de visão.”
O pai dela estava aqui? Varri os pensamentos da sala de espera cheia, mas não conseguia distinguir a sua voz mental do grupo antes de ela ter falado outra vez, a sua cara ansiosa
- Não posso voltar para a escola?
- Talvez devesse repousar por hoje. - O Carlisle sugeriu.
Os olhos dela voltaram-se para mim. - E ele, pode ir para a escola?
Agir normalmente… acalmar as coisas… esquecer a sensação que tenho quando ela me olha nos olhos…
- Alguém tem de espalhar a boa notícia de que nós sobrevivemos. - Disse.
- Na verdade - O Carlisle corrigiu - a maior parte da escola parece estar na sala de espera.
Eu antecipei a reacção dela desta vez, a sua aversão à atenção. Ela não me desapontou.
- Oh, não – Lamentou-se e colocou as mãos no rosto.
Gostei que finalmente tivesse acertado numa coisa. Estava a começar a entendê-la…
- Quer ficar? – Perguntou o Carlisle.
- Não, não! - Disse rapidamente, girando as pernas sob o colchão e escorregando para ficar de pé. Tropeçou, sem equilíbrio, nos braços de Carlisle. Ele agarrou-a e equilibrou-a.
Novamente, a inveja inundou-me.
- Estou óptima. - Disse ela antes que ele pudesse comentar, um rosa claro estava nas suas bochechas.
Claro, aquilo não incomodaria Carlisle. Ele certificou-se que ela estava equilibrada e soltou as suas mãos.
- Tome Tylenol para as dores. – Deu instruções.
- Não dói assim tanto.
O Carlisle sorriu e assinou a ficha dela. - Parece que teve imensa sorte.
Ela virou ligeiramente o rosto, para me encarar com um olhar duro. – Tive a sorte de o Edward se encontrar junto a mim.
- Oh, bem, sim. - Carlisle concordou depressa, ouvindo a mesma coisa na voz dela que eu ouvi. Ela não tinha pensado que as suas suspeitas eram imaginação. Ainda não.
Toda tua. Pensou o Carlisle. Trata do assunto como achares melhor.
- Muito obrigado. - Sussurrei, rápido e baixo. Nenhum humano me ouviu. Os lábios de Carlisle viraram-se um pouco para cima por causa do meu sarcasmo enquanto se virava para Tyler. – Receio que o Tyler tenha de nos fazer companhia apenas durante mais algum tempo. - Disse quando começou a examinar os cortes deixados pelo vidro partido.
Bom, eu tinha feito os estragos, então era justo que eu tivesse que lidar com eles.
Bella andou deliberadamente na minha direcção, sem parar até que estivesse desconfortavelmente perto. Lembrei-me de como tinha desejado, antes de todos os estragos, que ela se aproximasse de mim… Isto era como gozar com aquele desejo.
- Posso falar contigo por um instante? – Murmurou baixinho, desagradada.
A sua respiração quente tocou-me na cara e eu tive que dar um passo para trás. A sua atracção não tinha diminuído nem um bocado. Sempre que ela estava perto de mim, despertava o pior de mim, os instintos urgentes. O veneno inundou a minha boca e o meu corpo ansiou para atacar, para puxá-la para os meus braços e despedaçar a sua garganta nos meus dentes.
A minha mente era mais forte que o meu corpo, mas só um pouco.
- O teu pai está à tua espera. – Lembrei-a, com os dentes cerrados.
Ela olhou para o Carlisle e Tyler. O Tyler não estava a prestar nem um pouco de atenção, mas o Carlisle estava a monitorizar cada respiração que eu dava.
Cuidado, Edward.
- Gostava de falar contigo a sós, se não te importares. - Insistiu com uma voz baixa.
Eu gostava de dizer que me importava muito, mas sabia que ia ter que fazer isto eventualmente. O melhor era acabar com isto de uma vez.
Estava cheio de tantas emoções em conflito enquanto saía do quarto, a ouvi-la tropeçar nos seus próprios pés atrás de mim, a tentar acompanhar-me.
Tinha um espectáculo para apresentar. Sabia o papel que ia desempenhar, já tinha escolhido a personagem. Ia ser o vilão. Ia mentir, ridicularizar e ser cruel.
Ia contra todos os meus melhores impulsos, os impulsos humanos aos quais me tinha agarrado todos estes anos. Nunca tinha querido ser merecedor de confiança tanto quanto queria neste momento, quando tinha que destruir qualquer possibilidade que isso acontecesse.
Piorou saber que esta ia ser a última memória que ela ia ter de mim. Esta era a cena de despedida.
Virei-me para ela.
- O que queres? - Perguntei friamente.
Ela contraiu-se um bocado com a minha hostilidade. Os seus olhos ficaram confusos, a expressão que me tinha assombrado…
- Deves-me uma explicação. - Disse numa uma voz fraca; o seu rosto de marfim empalideceu.
Foi muito difícil manter minha voz dura. – Salvei-te a vida, não te devo nada.
Ela recuou. Queimou como ácido ver que as minhas palavras a tinham magoado.
- Tu prometeste. - Sussurrou.
- Bella, bateste com a cabeça, não sabes o que estás a dizer.
O queixo dela levantou-se. - Não há nada de errado com a minha cabeça.
Agora ela estava irritada, e isso tornou as coisas mais fáceis para mim. Encontrei o seu olhar, e deixei o meu rosto menos amigável.
- O que queres de mim, Bella?
- Quero saber a verdade. Quero saber por que motivo estou a mentir por tua causa.
O que ela queria era justo, frustrou-me ter que lhe negar isso.
- O que julgas que aconteceu? – Quase lhe rosnei.
As suas próximas palavras vieram numa corrente. – Sei apenas que não estavas próximo de mim, o Tyler também não te viu, portanto, não me venhas dizer que bati com a cabeça com demasiada violência. Aquela carrinha ia esmagar-nos a ambos, tal não se verificou e as tuas mãos deixaram uma mossa no outro carro e não tens qualquer ferimento. A carrinha ter-me-ia esmagado as pernas, mas tu estavas a erguê-la no ar… - De repente, ela trincou os dentes e os seus olhos estavam a brilhar com lágrimas não derramadas.
Eu encarei-a, a minha expressão era de escárnio, embora o que sentisse mesmo era medo; ela tinha realmente visto tudo.
- Pensas que eu levantei uma carrinha de cima de ti? - Perguntei sarcasticamente.
Ela respondeu com um aceno rápido.
A minha voz ficou ainda mais irónica. – Ninguém vai acreditar nisso, sabes?
Ela lutou para controlar a raiva. Quando me respondeu, disse cada palavra devagar. - Eu não vou contar a ninguém.
Ela estava a dizer a verdade. Eu conseguia ver isso nos olhos dela. Mesmo furiosos e traídos, ela ia guardar o meu segredo.
Porquê?
O choque daquilo arruinou a minha expressão cuidadosamente projectada durante meio segundo, e recompus-me num instante.
- Então, que importância é que isso tem? - Perguntei, trabalhando para manter a minha voz severa.
- Para mim tem. – Disse, intensa. - Não gosto de mentir, logo, é melhor que haja um excelente motivo para estar a fazê-lo.
Ela pediu-me para confiar nela. Exactamente como eu queria que ela confiasse em mim. Mas isto era uma linha que eu não podia atravessar.
A minha voz ficou ligeiramente desesperada. - Não podes apenas agradecer-me e superar isso?
- Obrigada. – Disse-me, e depois ficou à espera.
- Não vais esquecê-lo, pois não?
- Não.
- Nesse caso… - Eu não lhe podia dizer a verdade mesmo que quisesse… E eu não queria.
Eu preferia que ela inventasse a sua própria história a que soubesse o que eu era, porque nada podia ser pior que a verdade. Eu estava a viver um pesadelo, directamente das páginas de uma história de terror.
- Espero que gostes de sofrer desilusões.
Olhámos colericamente um para o outro.
Era estranho quão amável a sua raiva era. Como um gatinho furioso, macio e inofensivo, e tão ignorante quanto à sua própria invulnerabilidade.
Ela ficou rosada e cerrou os dentes outra vez. – Porque te deste sequer àquele trabalho?
A sua pergunta não era a que eu estava à espera ou preparado para responder.
Perdi as regras do jogo, do papel que estava a desempenhar. Senti a máscara a escorregar da cara, e eu disse-lhe, naquele único momento, a verdade.
- Não sei.
Memorizei o rosto dela uma última vez. Ainda tinha alguns traços de raiva, o sangue ainda não tinha saído das suas bochechas rosadas. E então virei-me e fui para longe dela.

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