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sábado, 15 de agosto de 2009

Capítulo 5 - Convites

5. Convites


Liceu. Já não era um purgatório, agora era o puro inferno. Tormento e fogo… sim, eu tinha os dois.
Eu estava a fazer a coisa certa agora. Todos os pontos nos i’s e os traços nos t’s. Agora ninguém podia reclamar que eu estava a evitar as minhas responsabilidades .
Para deixar a Esme feliz e proteger os outros, eu fiquei em Forks. Voltei para o meu horário antigo. Cacei mais que o resto deles. Todos os dias, eu ia para a escola e fingia ser humano. Todos os dias, eu ouvia cuidadosamente qualquer coisa nova sobre os Cullens - não havia nada de novo. A rapariga não tinha dito uma palavra das suas suspeitas. Ela só repetiu a história de novo e de novo - que eu estava ao lado dela e a tinha tirado do caminho - até que os ouvintes ficaram aborrecidos e pararam de pedir mais detalhes. Não havia perigo. A minha acção precipitada não tinha magoado ninguém.
Ninguém a não ser eu próprio.
Estava determinado a mudar o futuro. Não era a coisa mais fácil de se fazer, mas não havia outra escolha com a qual eu pudesse viver.
A Alice tinha dito que eu não seria forte o suficiente para me afastar da rapariga. Eu ia provar que ela estava errada.
Eu tinha pensado que aquele primeiro dia tinha sido o mais difícil. No final , eu tinha a certeza que era esse o caso. Mas estava errado.
Eu estava amargurado, ao saber que tinha magoado a rapariga. Senti-me melhor pelo facto de que a dor dela não era nada mais do que uma picada, só uma pequena ferroada de rejeição, comparada com a minha. Bella era humana, e ela sabia que eu era mais alguma coisa, alguma coisa errada, algo assustador. Ela provavelmente sentir-se-ia mais aliviada do que magoada quando eu desviasse a minha cara para longe dela e fingisse que ela não existia.
- Olá, Edward! - Cumprimentou-me ela no meu primeiro dia de volta à aula de biologia. A voz dela estava agradável, amigável, uma volta de 180 º desde a última vez que eu falei com ela.
Porquê? O que é que esta mudança significava? Tinha-se esquecido? Decidiu que tinha imaginado todo o episódio? Seria possível que ela me tivesse perdoado por não ter cumprido a minha própria promessa?
As perguntas queimavam como a sede que me atacava sempre que eu respirava.
Só um momento para olhar nos olhos dela... Só para ver se eu conseguia encontrar lá respostas…
Não. Eu não me podia permitir a isso sequer. Não se eu fosse mudar o futuro.
Mexi o meu queixo devagar na direcção dela sem desviar o olhar da frente da sala. Acenei com a cabeça uma vez, e depois virei a minha cara para a frente…
Ela não voltou a falar comigo.
Naquela tarde, assim que a escola terminou, o meu papel também terminou, corri até Seattle como tinha feito no outro dia. Parecia que podia lidar com dor ligeiramente melhor quando passava a voar por cima do chão, a trasformar tudo à minha volta num borrão verde.
Esta corrida tornou-se o meu hábito diário.
Eu amava-a? Eu achava que não. Ainda não. Mas a visão de Alice sobre o futuro tinha ficado presa comigo, e eu conseguia ver o quão fácil teria sido apaixonar-me por Bella. Seria exactamente como uma pessoa apaixonar-se: Sem esforço. Não me permitir a amá-la era o oposto de me apaixonar - era como ser puxado de um penhasco, uma tarefa cansativa, como se eu tivesse nada mais do que uma força mortal .
Passou-se mais de um mês, e cada dia era mais difícil. Aquilo não fazia sentido para mim. Eu fiquei à espera de ultrapassar, fiquei à espera que as coisas ficassem mais fáceis. Isto devia ser o que a Alice queria dizer quando previu que eu não seria capaz de me afastar da rapariga. Ela tinha visto a escala da dor. Mas eu podia lidar com a dor.
Eu não ia destruir o futuro da Bella. Se eu estivesse destinado para a amar, então evitá-la não seria a última coisa que eu conseguisse fazer?
Mas evitá-la era quase o limite do que eu conseguia suportar. Eu podia fingir ignorá-la, e nunca olhar na direcção dela. Eu podia fingir que ela não me interessava. Mas era apenas fingimento, não era a realidade.
Eu ainda me prendia a cada respiração dela, a cada palavra que ela dizia.
Eu aglomerava os meus tormentos em quatro categorias.
Os dois primeiros eram familiares. O seu aroma e o seu silêncio. Ou, por outro lado - ia pôr a responsabilidade em mim, onde pertencia - a minha sede e a minha curiosidade.
A sede era o meu primeiro tormento. Agora era um hábito, simplesmente não respirar na aula de Biologia. Mas é claro, havia sempre excepções. Quando eu tinha de responder a uma pergunta ou algo do género, eu precisava do meu fôlego para falar. Cada vez que saboreava o ar à volta da rapariga era o mesmo que aquele primeiro dia - fogo e violência brutal e a necessidade desesperada de me libertar. Era difícil agarrar-me nem que fosse um bocado à razão ou retenção nesses momentos. E, como no primeiro dia, o monstro rugia, tão perto da superfície…
A curiosidade era dos tormentos mais constantes. A pergunta nunca saía da minha cabeça: O que é que ela está a pensar agora? Quando a ouvia a suspirar calmamente. Quando ela passava um dos dedos sobre o cabelo. Quando ela mandava os livros com mais força do que o habitual. Quando ela chegava tarde à aula. Quando ela batia o pé, impaciente, no chão. Cada movimento que eu apanhava na minha visão periférica era um mistério que me enlouquecia. Quando ela conversava com os outros alunos humanos, eu analisava todas as palavras e o seu tom. Será que ela dizia o que estava a pensar, ou pensava no que dizia? Várias vezes parecia-me como se ela estivesse a tentar dizer o que a sua audiência esperava, e isso fez-me lembrar da minha família e da nossa vida diária da ilusão. Nós éramos melhores naquilo do que ela estava a ser. A não ser que eu estivesse errado sobre aquilo, apenas a imaginar coisas. Por que é que ela havia de estar a desempenhar um papel? Ela era um deles, uma jovem adolescente.
Mike Newton era o mais surpreendente dos meus tormentos. Quem é que teria sonhado que um tão comum e aborrecido mortal podia ser tão irritante? Para ser justo, eu devia sentir alguma gratidão pelo rapaz aborrecido. Mais do que os outros, ele fazia a rapariga falar. Eu aprendi muito sobre ela através daquelas conversas. Eu ainda estava a montar a minha lista, mas contrariamente, a assistência de Mike neste projecto só me deixava mais irritado.
Eu não queria que fosse Mike o único a descobrir segredos. Eu queria fazer aquilo.
Ajudava o facto de que ele nunca percebia as pequenas revelações que ela fazia, os seus pequenos descuidos.
Ele não sabia nada sobre ela. Ele criou uma Bella na sua cabeça que não existia. Uma rapariga tão comum como ele era. Ele não tinha observado a generosidade e bravura que a distinguia dos outros humanos, ele não ouvia a anormal maturidade dos seus pensamentos falados. Ele não percebia que, quando ela falava da sua mãe, soava como um pai a falar de uma criança, em vez de ser o contrário: amorosa, indulgente, um pouco divertida, e ferozmente protectora.
Ele não ouvia a paciência na sua voz quando ela fingia ter interesse nas suas histórias mirabolantes, e não adivinhava o que havia atrás da sua paciente bondade.
Através das conversas dela com Mike, eu fui capaz de adicionar a qualidade mais importante para a minha lista, e mais reveladora de todas elas, tão simples como rara. Bella era boa. Todas as outras coisas somaram-se àquele todo - agradável, discreta, altruísta, amorosa e corajosa. Ela era boa através de tudo.
No entanto, aquelas agradáveis descobertas não me tornavam mais gentil com o rapaz. A maneira possessiva como via a Bella - como se ela fosse feita para ele – provocou-me quase tanto como o seu rude fantasiar sobre ela. Ele estava a tornar-se mais confiante em relação a ela, também, enquanto o tempo passava, já que ela parecia preferi-lo aos seus rivais - Tyler Crowley, Erick Yorkie, e até, esporadicamente, eu mesmo. Ele sentava-se rotineiramente ao lado dela na mesa, a conversar com ela, encorajado pelos seus sorrisos. Apenas sorrisos educados, disse a mim mesmo. Frequentemente, apanhava-me a imaginar, entretido, a atirá-lo contra a parede da sala… Provavelmente não o iria ferir fatalmente…
Mike não pensava muitas vezes em mim como um rival. Após o acidente, ele ficou preocupado que a Bella e eu fossemos criar laços por causa da experiência partilhada, mas obviamente tinha acontecido o oposto. Naquele tempo, ele tinha ficado incomodado que eu tivesse afastado a Bella da atenção dos seus colegas . Mas agora eu ignorava-a perfeitamente como os outros, e ele ficou complacente.
O que é que ela estava a pensar agora? Será que ela gostava de ser o centro das atenções?
E, finalmente o último dos meus tormentos, o mais doloroso: A indiferença de Bella. Como eu a ignorava, ela ignorava-me também. Ela não voltou a tentar falar comigo novamente. Provavelmente, ela nem sequer voltou a pensar em mim.
Isto podia ter-me levado à loucura, ou até mesmo mudado minha decisão para alterar o futuro, excepto que ainda olhava para mim como antes. Não tinha visto isso por mim, já que não me permitia a olhar para ela, mas a Alice avisava-nos sempre quando ela estava prestes a olhar. Os outros ainda estavam a ser cuidadosos com o conhecimento problemático da rapariga.
Acalmava um pouco a dor quando ela olhava para mim de longe de vez em quando. É claro que ela podia estar apenas a imaginar que tipo de louco é que eu era.
- A Bella vai olhar para o Edward num minuto. Pareçam normais. - A Alice disse numa terça-feira de Março, e os outros tomaram o cuidado de gesticular e mexerem-se como um humano. Ficar totalmente parado era um hábito da nossa espécie.
Prestei atenção à frequência com que ela olhava na minha direcção. Agradava-me, apesar de não dever agradar, que a frequência não diminuía conforme o tempo passava. Eu não sabia o que é que aquilo significava, mas fazia-me sentir melhor.
A Alice suspirou. Eu gostava…
- Fica fora disto, Alice. - Disse por baixo da minha respiração. - Não vai acontecer.
Ela fez um beicinho. A Alice estava ansiosa para formar a sua amizade iminente com Bella. De uma forma estranha, ela sentia falta da rapariga que nem conhecia.
Admito que és melhor do que eu pensei. Tens o teu futuro todo confuso e sem sentido outra vez. Espero que estejas feliz. - Pensou.
- Faz perfeito sentido para mim.
Ela fez um som impaciente de forma delicada.
Eu tentei ignorá-la, estava muito impaciente para conversas. Eu não estava de bom humor. Estava mais tenso do que deixava qualquer um deles ver. Só o Jasper sabia como é que eu estava, sentindo o stress ao meu redor com a sua habilidade única de sentir e influenciar o humor das pessoas à volta. Ele não entendia as razões por trás dos humores e, como tenho estado constantemente de mau humor, ele ignorava.
Hoje ia ser um dia difícil. Mais difícil que o dia anterior, era esse o padrão.
Mike Newton, o rapaz odiável com quem eu não me podia permitir a tornar rival, ia convidar Bella para um encontro.
O baile que as raparigas adoravam estava a chegar, e ele estava esperançoso que Bella o convidasse. Agora Mike estava desconfortavelmente preso, eu gostava do desconforto dele mais do que devia, porque Jessica Stanley tinha acabado de o convidar. Ele não queria dizer “sim”, porque estava à espera que Bella o convidasse (e provar que ele era o vitorioso entre os seus rivais), mas não queria dizer “não” e acabar por perder o baile. A Jessica, magoada pela sua hesitação e imaginando a razão por trás disso, estava a ter pensamentos raivosos contra Bella. Agora entendi melhor o instinto, mas só me fez ficar mais frustrado quando não podia agir.
E pensar que tinha chegado a este ponto! Eu estava totalmente fixado nos dramas de liceu que um dia tinha simplesmente ignorado.
O Mike estava a trabalhar na sua coragem enquanto caminhava com Bella até à aula de biologia. Eu ouvi a sua luta interna enquanto esperava que chegassem. O rapaz era fraco. Ele tinha esperado por este baile de propósito, com medo de mostrar o seu interesse antes que ela mostrasse uma preferência por ele. Ele não queria ficar vulnerável para uma possível rejeição, preferindo que ela desse aquele passo antes.
Cobarde.
Ele sentou-se na nossa mesa outra vez, confortável com a familiaridade, e eu imaginei o som que seu corpo faria se batesse contra a parede oposta da sala com força suficiente para partir a maioria dos seus ossos.
- Pois - Disse para a rapariga, os seus olhos no chão. - A Jessica convidou-me para o baile de primavera.
- Isso é óptimo. - Responder Bella imediatamente e com entusiasmo. Era difícil não sorrir conforme Mike se dava conta do seu tom. Ele estava à espera que ela contestasse. – Vais-te divertir imenso com a Jessica.
Ele reflectiu sobre a resposta certa. - Bem… - Hesitou, e quase desistiu. Depois voltou ao plano. - Eu disse-lhe que tinha de reflectir sobre o assunto.
- Porque farias isso? - Perguntou. O tom dela era mais de desaprovação, mas ainda tinha uma pontada de alívio também.
O que é que aquilo significava? Uma fúria inesperada fez com que as minhas mãos se fechassem até punhos.
Mike não ouviu o alívio. O rosto dele estava vermelho com o sangue - com a raiva que eu estava, aquilo parecia um convite - e olhou para o chão outra vez enquanto falava.
- Estava a perguntar-me…. Bem, se estarias a pensar convidar-me.
Bella hesitou.
Naquele momento de hesitação, eu vi o futuro mais claramente do que Alice.
Talvez ela dissesse “sim” à pergunta implícita de Mike, talvez não, mas ainda assim, algum dia ela diria sim a alguém. Ela era adorável, intrigante e os outros homens não eram indiferentes a isso. Quer ela assentasse com alguém deste grupo insalubre, ou esperasse para estar livre de Forks, o dia em que ela diria sim iria chegar.
Vi a vida dela como tinha visto antes. Faculdade, carreira…amor, casamento. Vi-a de braço dado com seu pai, vestida de branco, o a cara dela corada de felicidade conforme se movia ao som da marcha nupcial de Mendelssohn.
A dor era mais forte do que já alguma vez tinha sentido. Um humano teria que estar à beira da morte para sentir esta dor. Um humano não sobreviveria a isto.
E não só dor, mas o ódio.
A fúria também doía de uma forma física. Mesmo que este rapaz insignificante não seja aquele a quem Bella vá dizer sim, eu queria esmagar-lhe o crânio na minha mão, para deixá-lo ficar com uma amostra de como iria ficar o rapaz a que ela dissesse sim.
Eu não entendia aquela emoção. Era uma mistura de dor e raiva e desejo e desespero. Eu nunca me tinha sentido assim antes. Não conseguia pôr um nome àquilo.
- Mike, eu acho que devias aceitar o convite dela. - Disse de forma gentil.
As esperanças de Mike desapareceram. Noutras circunstâncias eu teria gostado, mas eu estava perdido no choque após a dor, e no remorso pelo que a dor e a raiva me tinham feito.
A Alice tinha razão. Eu não era forte o suficiente.
Agora, Alice devia estar a ver o futuro a contorcer-se e a revirar-se, a ficar confuso de novo. Será que isto a iria agradar?
- Já convidaste alguém? - Mike perguntou de repente. Olhou de relance para mim, suspeito pela primeira vez em semanas. Apercebi-me que nunca tinha disfarçado bem o meu interesse, a minha cabeça estava inclinada na direcção de Bella.
A raiva descontrolada nos pensamentos dele - raiva por qualquer um que ela preferisse - de repente deu um nome ao meu sentimento.
Eu estava com ciúmes.
- Não. - Disse, a achar um bocado de graça. – Nem sequer vou ao baile.
Por detrás de todo o remorso e raiva, eu senti alívio nas palavras dela. De repente eu estava a considerar os meus rivais.
- Porque não? – Perguntou Mike de uma forma quase mal-educada. Ofendia-me que ele usasse aquele tom com ela. Contive um rugido.
- Vou a Seattle nesse sábado. - Respondeu.
A curiosidade já não era tão viciante como antes, agora que estava mais concentrado em descobrir as respostas para tudo. Eu ia saber os ondes e porquês desta revelação brevemente.
O tom de Mike continuou desagradável. - Não podes ir noutro fim-de-semana?
- Lamento, mas não. - Bella foi mais brusca agora. – Não deves, portanto, fazer a Jess esperar mais. É uma falta de educação.
A preocupação dela com os sentimentos de Jessica diminuiu as chamas do meu ciúme. Aquela viagem para Seattle era claramente uma desculpa para dizer não. Será que ela recusou puramente por lealdade à amiga? Será que ela queria realmente poder dizer sim? Ou estavam os dois palpites errados? Ela estava interessada noutra pessoa?
- Sim, tens razão. - Murmurou Mike, com a moral tão baixa que eu quase senti pena dele. Quase.
Parou de olhar para ela, cortando a minha visão do rosto dela na sua mente.
Eu não ia tolerar aquilo.
Eu virei-me para ler a expressão dela por mim mesmo, pela primeira vez em mais de um mês. Foi um alívio autorizar-me a fazer isso, era como respirar depois de muito tempo debaixo de água para os humanos.
Os olhos dela estavam fechados e as mãos pressionadas de cada lado da sua cara. Os seus ombros estavam curvados para frente de forma defensiva. Balançava a cabeça suavemente, como se estivesse a tentar tirar algum pensamento da cabeça.
Frustrante. Fascinante.
A voz do Sr. Banner puxou-a daquele estado e os olhos dela abriram-se devagar. Ela olhou para mim imediatamente, talvez sentindo o meu olhar. Olhou-me directamente nos olhos com a mesma expressão perplexa que me tinha assombrado por tanto tempo.
Não senti remorso ou culpa ou raiva naquele segundo. Eu sabia que eles iriam aparecer outra vez, e apareceriam brevemente, mas por este momento eu estava a viver uma estranha excitação. Como se eu tivesse triunfado em vez de perdido.
Ela não desviou o olhar, mesmo que eu a estivesse a olhar com uma intensidade imprópria, tentando sem sucesso ler os pensamentos dela pelos seus olhos castanhos. Eles estavam cheios de perguntas em vez de respostas.
Eu conseguia ver o reflexo dos meus próprios olhos, e vi-os pretos com sede. Já tinham passado quase duas semanas desde a última vez que eu tinha caçado. Este não era o dia mais seguro para eu sucumbir a minha vontade. Mas a escuridão não pareceu assustá-la. Ela ainda não desviava o olhar, e uma leve, apelativa cor vermelha começou a aparecer na sua face.
O que é que ela estava a pensar agora?
Eu quase fiz aquela questão em voz alta, mas naquele momento, o Sr. Banner disse o meu nome. Eu ouvi a resposta certa na sua mente e olhei rapidamente na sua direcção.
Respirei rapidamente. – O ciclo de Krebs.
A sede passou na minha garganta, pondo os meus músculos mais tensos e enchendo a minha boca com veneno. Fechei os olhos, tentei-me concentrar no desejo pelo sangue dela que se enfurecia dentro de mim.
O monstro estava mais forte do que antes. O monstro estava a regozijar-se. Ele juntou-se àquele futuro que lhe dava uma hipótese de 50% no que ele desejava de uma maneira cruel.
O terceiro e incerto futuro que eu tinha tentado construir apenas por força de vontade tinha sido destruído, pelos ciúmes, acima de tudo, portanto o monstro estava cada vez mais perto de ter o seu desejo.
O remorso e a culpa queimaram-me tal como a sede, e se eu tivesse a habilidade de produzir lágrimas elas estariam a formar-se agora.
O que é que eu tinha feito?
Sabendo que a batalha já estava perdida, parecia não haver mais nenhuma razão para resistir ao que eu queria. Virei-me para olhar para Bella novamente.
Ela tinha-se escondido no próprio cabelo, mas eu conseguia ver que seu rosto estava totalmente vermelho.
O monstro gostou daquilo.
Ela não olhou para mim novamente, mas mexeu de forma nervosa numa mecha de cabelo. Os seus dedos delicados, o seu pulso delicado. Eles eram tão frágeis, parecia que até a minha respiração podia parti-los.
Não, não, não. Eu não podia fazer isto. Ela era demasiado frágil, demasiado boa pessoa, demasiado preciosa para merecer este destino. Eu não podia permitir que minha vida colidisse com a dela, que destruísse a vida dela.
Mas eu também não conseguia ficar longe dela. A Alice estava certa sobre isso.
O monstro dentro de mim manifestou-se, frustrado, conforme eu pensava.
A minha breve hora com ela passou demasiado depressa. A campainha tocou e ela começou a arrumar as coisas sem olhar para mim. Isso decepcionou-me mas eu não podia esperar o contrário. A maneira como eu a tinha tratado desde o acidente era inaceitável.
- Bella? - Disse, sem me conseguir conter. A minha força de vontade já estava despedaçada.
Ela hesitou antes de olhar para mim. Quando se virou a sua expressão estava defensiva e desconfiada.
Relembrei-me que ela tinha todo o direito de desconfiar de mim. Que devia.
Ela esperou que eu continuasse, mas eu só olhei para ela, a ler a sua expressão. Eu dava respirações superficiais em intervalos regulares, lutando contra a minha sede.
- O que foi? – Perguntou finalmente. – Já voltaste a falar comigo? - Havia um pingo de ressentimento na sua voz, como a raiva a aparecer. Isso fez-me querer sorrir.
Eu não tinha a certeza como responder à pergunta dela. Estava a falar com ela outra vez, no sentido que ela estava a perguntar?
Não. Não se conseguisse evitar. Eu ia tentar evitar.
- Não, nem por isso. – Disse-lhe.
Ela fechou os olhos, o que me frustrou. Cortou o meu melhor caminho para tentar aceder aos seus sentimentos. Respirou fundo sem abrir os olhos. O seu maxilar estava rígido.
Com olhos ainda fechados, ela falou. Certamente aquela não era a maneira normal de um humano conversar. Porque é que ela fazia aquilo?
- Então, o que queres, Edward?
O som do meu nome nos lábios dela fez coisas estranhas ao meu corpo. Se o meu coração batesse, estaria a acelerar.
Mas como responder-lhe?
Com a verdade, decidi. Seria o mais sincero que pudesse com ela a partir de agora. Eu não queria merecer a sua desconfiança, mesmo que ganhar a sua confiança fosse impossível.
- Desculpa. - Disse-lhe. Aquilo era mais verdade do que ela iria alguma vez saber. Infelizmente, a única maneira segura de me desculpar era do trivial. – Eu sei que estou a ser muito indelicado, mas é melhor assim, a sério.
Seria melhor para ela se eu continuasse a ser indelicado. Será que eu iria conseguir?
Os olhos dela abriram-se, a sua expressão ainda estava cautelosa.
- Não sei a que te referes.
Eu tentei avisá-la o mais que me fosse possível. – É melhor que não sejamos amigos. – Certamente que ela conseguia sentir aquilo. Ela era uma rapariga inteligente. - Confia em mim.
Os olhos dela ficaram mais estreitos e eu lembrei-me que já lhe tinha dito aquelas palavras antes, mesmo antes de quebrar a promessa. Estremeci quando ela cerrou os dentes. Claramente ela também se tinha lembrado.
- É pena que não tenhas percebido isso antes. - Ela disse zangada. – Terias evitado todo esse arrependimento.
Olhei para ela em choque. O que é que ela sabia dos meus arrependimentos?
- Arrependimento? Arrependimento em relação a quê? - Exigi.
- Em relação ao facto de não teres simplesmente deixado que o raio daquela carrinha me tivesse esmagado. - Respondeu bruscamente.
Eu congelei, surpreendido.
Como é que ela podia pensar aquilo? Salvar a sua vida tinha sido a única coisa certa que eu tinha feito desde que a conheci. A única coisa de que não me envergonhava. A única coisa que me deixava feliz em existir. Lutei para a manter viva desde o primeiro momento em que senti o seu cheiro. Como é que ela podia pensar aquilo de mim? Como é que se atrevia a questionar a minha única boa acção nesta confusão toda?
- Julgas que eu me arrependo de te ter salvo a vida?
- Eu sei que te arrependes de tê-lo feito.
A avaliação dela das minhas intenções deixaram-me a ferver de raiva. – Tu não sabes nada.
Que confusos e incompreensíveis eram os trabalhos da mente dela! Ela não devia pensar da mesma maneira que os outros humanos. Devia ser essa a explicação por detrás do seu silêncio mental. Ela era completamente diferente.
Ela virou a cara, a ranger os dentes. As suas bochechas estavam vermelhas, com raiva outra vez. Ela juntou os livros numa pilha, colocou-os nos braços e marchou em direcção à porta sem olhar para mim.
Mesmo irritado como eu estava, era impossível não achar o seu ódio divertido.
Ela andou desajeitada, sem olhar por onde ia, e o pé dela bateu na ombreira da porta. Ela tropeçou, e as coisas todas caíram no chão. Em vez de se inclinar para as apanhar, ficou parada, rígida, sem sequer olhar para baixo, como se não tivesse a certeza se os livros mereciam ser recuperados.
Consegui não me rir.
Ninguém estava aqui para olhar para mim. Fui rapidamente para o lado dela e pus os livros em ordem antes que ela olhasse para baixo.
Ela inclinou-se, viu-me, e congelou. Entreguei-lhe os livros, tomando o cuidado que a minha pele gelada não tocasse na dela.
- Obrigada. - Disse numa voz fria, severa.
O seu tom trouxe de volta a minha irritação.
- Não tens de quê. - Respondi no mesmo tom frio.
Ela endireitou-se e foi para a sua próxima aula.
Fiquei a olhar até que já não conseguia ver a sua figura furiosa.
A aula de espanhol passou num borrão. A Sra. Goff não questionou a minha distracção, ela sabia que o meu espanhol era superior ao dela, e deu-me liberdade, deixando-me livre para pensar.
Então, eu não conseguia ignorar a rapariga. Isso era óbvio. Mas isso significava que eu não tinha outra saída a não ser destruí-la? Aquele não podia ser o único futuro disponível. Tinha que haver alguma outra escolha, algum equilíbrio. Tentei pensar numa maneira…
Não prestei muita atenção ao Emmett até que a aula terminou. Ele estava curioso. O Emmett não era muito intuitivo sobre os sentimentos dos outros, mas ele conseguia ver uma mudança óbvia em mim. Perguntou-se o que teria acontecido para tirar o insistente olhar de ódio do meu rosto. Lutou consigo mesmo para definir a mudança, e finalmente decidiu que eu parecia esperançoso.
Esperançoso? Era assim que eu parecia por fora?
Ponderei a ideia de esperança enquanto voltávamos para o Volvo, perguntando-me sobre o que é que devia estar esperançoso.
Mas não tive muito tempo para reflectir. Sensível como estava sempre aos pensamentos dos outros sobre a rapariga, o som do nome da Bella nas cabeças dos meus… dos meus rivais, tive que admitir, chamou a minha atenção. Eric e Tyler, tinham ouvido falar, com muita satisfação do fracasso de Mike, e estavam a preparar-se para agir.
Eric já estava pronto, encostado à pick-up dela, de modo a que ela não o conseguisse evitar. A aula de Tyler estava atrasada por causa de um trabalho, e ele estava desesperado por apanhá-la antes que ela escapasse.
Eu tinha que ver isto.
- Espera pelos outros aqui, está bem? - Murmurei ao Emmett.
Ele olhou para mim, suspeito, mas depois encolheu os ombros e acenou.
O miúdo endoideceu.
- Pensou, divertido pelo meu pedido esquisito.
Vi a Bella a sair do ginásio, e fiquei à espera onde ela não me conseguisse ver.
Quando ela se aproximou da emboscada de Eric, eu aproximei-me, andando num ritmo que me ia fazer passar por ela no momento certo.
Vi o seu corpo a ficar tenso quando viu o rapaz à espera dela. Ela parou por um momento, depois relaxou e continuou a andar.
- Olá, Eric. – Ouvi-a dizer num tom amigável.
Fiquei inesperadamente ansioso. E se aquele adolescente magro e com problemas de pele fosse de algum modo atraente para ela?
Eric engoliu alto, a sua maçã-de-adão tremeu. - Viva, Bella.
Ela parecia inconsciente do nervosismo dele.
- O que se passa? - Perguntou, enquanto destrancava a pick-up sem olhar para a expressão assustada que ele tinha.
- Ah… estava apenas a pensar… se irias ao baile de primavera comigo. - A voz dele tremeu.
- Pensei que eram as raparigas que escolhiam o seu par. - Disse, parecendo frustrada.
- Bem, e são. - Ele concordou infeliz.
Este pobre rapaz não me irritou tanto quanto Mike Newton, mas eu não conseguia encontrar dentro de mim qualquer simpatia pela sua angústia até que Bella lhe respondeu com uma voz gentil.
- Obrigada por me convidares, mas eu estarei em Seattle nesse dia.
Ele já tinha ouvido isso; mesmo assim, ficou desapontado.
-Ah – Murmurou, mal se atrevendo a levantar os olhos ao nível do nariz dela - Bem, talvez para a próxima?
- Claro. - Ela concordou. Depois mordeu o lábio, como se estivesse arrependida de lhe ter dado uma hipótese. Gostei daquilo.
Eric afastou-se da pick-up e foi-se embora, ia na direcção contrária do seu carro, só queria escapar dali.
Passei por ela naquele momento, e ouvi o seu suspiro de alívio. Eu ri-me.
Ela virou-se ao som, mas eu olhei para a frente, tentando evitar que os meus lábios se contorcessem com o divertimento.
O Tyler estava atrás de mim, quase a correr com pressa de falar com ela antes que ela pudesse ir para casa. Ele estava mais destemido e confiante que os outros dois. Só tinha esperado tanto tempo para abordar Bella porque respeitava que Mike a tinha visto primeiro.
Eu queria que ele conseguisse falar com ela por dois motivos. Se, como estava a começar a suspeitar, toda aquela atenção fosse irritante para Bella, eu queria aproveitar e assistir à sua reacção. Mas, se não, se o convite de Tyler fosse o que ela estava à espera, então eu queria saber disso também.
Medi Tyler Crowley como um rival, sabendo que isso era errado de se fazer. Ele parecia aborrecidamente comum e não se comparava comigo, mas o que sabia eu das preferências de Bella? Talvez ela gostasse de rapazes comuns…
Estremeci com aquele pensamento. Eu jamais conseguiria ser um rapaz comum. Que parvoíce era colocar-me como rival para os seus afectos. Como é que ela se poderia importar com alguém que era, sob qualquer ângulo, um monstro?
Ela era boa de mais para um monstro.
Eu devia deixá-la escapar, mas a minha indesculpável curiosidade evitou que fizesse a coisa certa. Outra vez. E se o Tyler perdesse a sua oportunidade agora, apenas para contactá-la mais tarde quando eu não tivesse maneira de conhecer o resultado? Puxei o meu Volvo para o caminho estreito, bloqueando a saída dela.
O Emmett e os outros estavam a caminho, mas ele tinha-lhes descrito o meu comportamento estranho, então eles estavam a andar lentamente, observando-me, a tentar decifrar o que é que eu estava a fazer.
Olhei para a rapariga pelo retrovisor. Ela olhou para o meu carro com raiva, sem encontrar o meu olhar, como se quisesse estar a conduzir um tanque em vez de uma pick-up Chevy enferrujada.
O Tyler despachou-se para o seu carro e pôs-se na fila atrás dela, agradecendo o meu comportamento inexplicável. Ele acenou-lhe, tentando chamar a sua atenção, mas ela não reparou. Ele esperou um momento, e depois saiu do carro e correu para a janela do lado do condutor dela. Bateu no vidro.
Ela saltou, e depois olhou para ele, confusa. Depois de um segundo, abriu a janela manualmente, parecendo ter algum problema com aquilo.
- Desculpa, Tyler. - Disse numa voz irritada. - Estou encurralada atrás do Cullen.
Ela disse o meu apelido com uma voz dura. Ainda estava zangada comigo.
- Oh, eu sei - Tyler disse, não se importando com o humor dela. – Queria apenas pedir-te algo enquanto estamos aqui presos.
O sorriso dele era convencido.
Fiquei aliviado com a maneira que ela empalideceu com a tentativa óbvia dele.
- Convidas-me para o baile de primavera? - Perguntou, não havia nenhum pensamento de derrota na sua mente.
- Estarei fora da cidade, Tyler. - Ela disse-lhe, a irritação ainda bem presente na sua voz.
- Pois, o Mike falou nisso.
- Então por que é que… - Começou a perguntar.
Ele encolheu os ombros. – Estava com esperança de que estivesses apenas a recusar o convite dele de uma forma simpática.
Os olhos dela queimaram, depois ficaram frios. - Desculpa, Tyler. – Disse-lhe, sem parecer sentir nada. - Eu vou mesmo sair da cidade.
Ele aceitou aquela desculpa, a sua autoconfiança não tinha sido tocada. - Tudo bem, ainda temos o baile de finalistas.
Ele empertigou-se e foi para o seu carro.
Eu tinha razão por ter querido esperar por isto.
A expressão horrorizada no rosto dela era impagável. Disse-me o que eu não devia estar tão desesperado por saber: que ela não sentia nada por nenhum daqueles rapazes humanos que queriam convidá-la.
E também, a expressão dela era possivelmente a coisa mais engraçada que eu já tinha visto.
Então a minha família chegou, confusa pelo facto de que eu estava, para variar, a tremer de riso em vez de estar a fazer uma cara assassina a qualquer coisa que estivesse à vista.
O que é que é tão engraçado? Emmett quis saber.
Eu só abanei a cabeça enquanto me abanava também com uma nova onda de riso quando Bella acelerou seu motor, nervosa. Ela parecia querer o tanque outra vez.
- Vamos embora! - A Rosalie sibilou impaciente. - Pára de ser idiota. Se conseguires.
As palavras dela não me irritaram. Estava demasiado divertido. Mas fiz o que ela pediu.
Ninguém falou comigo no caminho para casa. Continuei a rir-me de vez em quando, a pensar no rosto de Bella.
Quando virei para a estrada, agora acelerava já que não havia testemunhas, a Alice arruinou o meu humor.
- Então agora já posso falar com a Bella? - Perguntou inesperadamente, sem pensar nas palavras primeiro, não me dando um aviso.
- Não. – Disse bruscamente.
- Isso não é justo. Do que é que estou à espera?
- Eu ainda não decidi nada, Alice.
- Como queiras, Edward.
Na cabeça dela, os dois destinos de Bella estavam claros novamente.
- Para quê conhecê-la? - Murmurei, de repente rabugento. - Se vou simplesmente matá-la?
A Alice hesitou por um segundo. – Lá nisso tens razão. - Ela admitiu.
Dei a última curva a 150 km/h e parei a três centímetros da parede da garagem.
- Aproveita a tua corrida. - Disse Rosalie presunçosa quando me atirei para fora do carro.
Mas eu não fui correr hoje. Em vez disso, fui caçar.
Os outros iam caçar amanhã, mas eu não podia estar com sede agora. Exagerei, bebendo mais do que o necessário, fartando-me de novo. Um pequeno grupo de cervos e um urso negro que tive a sorte de encontrar tão cedo este ano. Estava tão cheio que era desconfortável. Por que é que aquilo não podia ser o suficiente? Por que é que o cheiro dela tinha que ser muito mais forte que todas as outras coisas?
Eu tinha caçado para me preparar para o próximo dia, mas, quando não conseguia caçar mais e o sol ainda estava a horas de nascer, soube que o próximo dia não chegaria rápido o suficiente.
A enorme tensão passou por mim outra vez quando percebi que ia à procura da rapariga.
Eu discuti comigo mesmo todo o caminho de volta a Forks, mas o meu lado menos nobre ganhou a discussão, e eu segui adiante com o meu plano indestrutível. O monstro estava inquieto, mas bem alimentado. Eu sabia que ia manter uma distância segura dela. Só queria saber como é que ela estava. Só queria ver a sua cara.
Passava da meia-noite e a casa de Bella estava escura e silenciosa. A pick-up dela estava estacionada contra a cerca da casa e o carro patrulha do seu pai estava na entrada da casa. Não havia pensamentos conscientes em lugar nenhum na vizinhança. Olhei para a casa por um momento, da escuridão da floresta que a cercava do lado este. A porta da frente provavelmente estava trancada, não que isso fosse um problema, excepto que eu não queria deixar a porta partida como prova para trás. Decidi tentar a janela de cima, primeiro. Não existiam muitas pessoas que se incomodavam a instalar uma fechadura ali.
Passei pelo jardim aberto e escalei a parede da casa em meio segundo. Pendurado por uma mão no parapeito da janela, olhei pelo vidro, e a minha respiração parou.
Era o quarto dela. Eu conseguia vê-la, os cobertores no chão e os lençóis enrolados nas suas pernas. Enquanto eu olhava, ela virou-se inquieta e colocou um braço por cima da cabeça. Ela não dormia profundamente, pelo menos não esta noite. Será que sentia o perigo próximo?
Fiquei com nojo de mim próprio quando a vi mexer-se outra vez. Como é que eu era melhor do que qualquer outro bisbilhoteiro? Eu não era melhor. Era muito, muito pior.
Relaxei as pontas dos meus dedos, preparado para me deixar cair. Mas primeiro permiti a mim mesmo lançar um longo olhar na direcção da cara dela.
Não estava tranquila. A pequena ruga entre as suas sobrancelhas, os cantos dos seus lábios para baixo. Os lábios dela tremeram, e então abriram-se.
- Está bem, mãe. - Resmungou.
A Bella falava durante o sono.
A curiosidade invadiu-me, mais forte que o nojo que tinha por mim mesmo. O encanto daqueles pensamentos falados, desprotegidos e inconscientes, era incrivelmente tentador.
Tentei abrir a janela, e não estava fechada, embora tenha encravado por ter ficado tanto tempo sem ser aberta. Eu empurrei-a lentamente para o lado, rangendo a cada pequeno gemido que a moldura de metal fazia. Tinha que arranjar algum óleo para a próxima vez…
Próxima vez? Eu abanei a cabeça, com nojo de novo.
Passei silenciosamente pela janela meio aberta.
O quarto dela era pequeno. Desorganizado, mas não sujo. Havia livros empilhados no chão perto da sua cama, as lombadas viradas para o outro lado, e CDS espalhados perto do seu discman barato. O que estava por cima era só uma caixa vazia. Papéis cercavam um computador que mais parecia pertencer a um museu dedicado a tecnologias obsoletas. Sapatos estavam no chão de madeira.
Eu queria muito ir ler os títulos dos seus livros e CDS, mas tinha prometido que ia manter a distância. Em vez disso, fui-me sentar na velha cadeira de balanço no outro canto do quarto.
Eu tinha mesmo alguma vez pensado que ela tinha um aspecto comum? Pensei naquele primeiro dia, e no meu nojo pelos rapazes que ficaram tão rapidamente intrigados por ela. Mas quando me lembrei do rosto dela nos pensamentos deles, não conseguia entender por que é que não a tinha achado linda imediatamente. Parecia uma coisa óbvia.
Neste momento, com o seu cabelo escuro embaraçado e selvagem à volta da sua cara pálida, a usar uma t-shirt cheia de buracos e umas calças esfarrapadas, ela tirou-me a respiração. Ou teria tirado, pensei ironicamente, se eu estivesse a respirar.
Ela não falou. Talvez o sonho tivesse terminado.
Olhei para a cara dela e tentei pensar nalguma maneira de deixar o futuro suportável.
Magoá-la não era suportável. Isso significava que minha única escolha era tentar ir embora novamente?
Os outros não podiam discutir comigo agora. A minha ausência não iria colocar ninguém em perigo. Não iria haver nenhuma suspeita, nada para levar os pensamentos de ninguém de volta ao acidente.
Vacilei como tinha feito esta tarde, e nada pareceu possível.
Não podia estar à espera de ser rival dos rapazes humanos, quer esses rapazes específicos a atraíssem ou não. Eu era um monstro. Como é que ela me podia ver de outra forma? Se ela soubesse a verdade sobre mim, ia assustá-la e repulsá-la. Como a vítima num filme de terror, ela ia correr, a gritar de horror.
Lembrei-me do primeiro dia dela na aula de biologia… e sabia que aquela seria exactamente a reacção certa para se ter.
Era uma parvoíce imaginar que se fosse eu quem a tivesse a convidado para aquele baile idiota, ela teria cancelado os seus planos feitos em cima da hora e teria concordado em ir comigo.
Não era a mim que ela estava destinada a dizer sim. Era a outra pessoa, humana e quente. E eu nem me podia permitir - algum dia, quando ela dissesse sim – a persegui-lo e matá-lo, porque ela merecia-o, quem quer que fosse que tivesse escolhido.
Ela merecia que eu fizesse a coisa certa agora. Já não podia fingir que estava só em perigo de amar esta rapariga.
Afinal de contas, não fazia diferença se eu fosse embora, porque Bella jamais me iria ver da maneira que eu queria que ela visse. Ela nunca me ia ver como alguém que merecesse ser amado.
Nunca.
Podia um coração morto, gelado, despedaçar-se? Parecia que o meu podia.
- Edward. - Disse Bella.
Eu congelei, a olhar para os seus olhos fechados.
Ela tinha acordado, tinha-me visto aqui? Ela parecia adormecida, mas a sua voz tinha sido tão clara…
Ela suspirou calmamente, e depois mexeu-se inquieta outra vez, dando uma volta – ainda a dormir e sonhar.
- Edward. - Murmurou suavemente.
Ela estava a sonhar comigo.
Podia um coração morto, gelado, bater de novo? Parecia que o meu podia.
- Fica. - Suspirou. - Não vás. Por favor… não vás.
Ela estava a sonhar comigo, e não era um pesadelo. Ela queria que eu ficasse com ela, ali no seu sonho.
Eu lutei para encontrar palavras para dar nome aos sentimentos que me invadiram, mas não existiam palavras fortes o suficiente para descrevê-los. Por um longo momento, afoguei-me neles.
Quando voltei à superfície, não era o mesmo homem que tinha sido.
A minha vida era uma a meia-noite, sem mudanças, sem fim. Devia, por necessidade, ser sempre meia-noite para mim. Então como é que era possível que o sol estivesse a nascer agora, bem a meio da meia-noite?
No momento em que me tornei um vampiro, trocando a minha alma e mortalidade por imortalidade na dor abrasadora da transformação, eu tinha realmente congelado. O meu corpo tinha-se transformado em algo mais parecido com pedra do que carne, permanente e sem mudanças. Até eu, também, tinha congelado como era. A minha personalidade, os meus gostos e desgostos, os meus humores e os meus desejos, estavam todos fixos num lugar.
Era a mesma coisa para o resto deles. Todos nós estávamos congelados. Pedras vivas.
Quando uma mudança chegava para um de nós, era uma coisa rara e permanente. Tinha visto isso acontecer com Carlisle, e uma década depois, com Rosalie. O amor tinha-os mudado de uma maneira irremediável, uma maneira que nunca mais mudava. Mais de oitenta anos tinham-se passado desde que Carlisle tinha encontrado Esme, e ele ainda a olhava com os olhos incrédulos do primeiro amor. Seria sempre assim para eles.
Seria sempre assim para mim também. Eu ia sempre amar esta frágil rapariga humana, pelo resto da minha existência sem limites.
Olhei para o seu rosto inconsciente, sentindo esse amor por ela a acomodar-se em cada célula do meu corpo de pedra.
Ela dormia com mais calma agora, um sorriso fraco nos lábios.
Sem deixar de a observar, comecei a planear.
Eu amava-a, então ia tentar ser forte o suficiente para a deixar. Eu sabia que neste momento não era forte o suficiente. Ia ter que trabalhar nisso. Mas talvez eu fosse forte o suficiente para moldar o futuro de outra maneira.
A Alice tinha visto só dois futuros para a Bella, e agora eu entendia os dois.
Amá-la não ia evitar que eu a matasse, se cometesse erros.
Mas eu não conseguia sentir o monstro agora, não conseguia encontrá-lo em nenhum lugar dentro de mim. Talvez o amor o tivesse silenciado para sempre. Se eu a matasse agora, não seria intencional, só um horrível acidente.
Eu teria de ser extraordinariamente cuidadoso. Jamais, jamais seria capaz de baixar a guarda. Ia ter que controlar cada respiração. Ia ter de manter sempre uma distância segura.
Não ia cometer erros.
Finalmente entendi o segundo futuro. Tinha estado aterrorizado com aquela visão. O que é podia possivelmente acontecer que resultaria em Bella a tornar-se uma prisioneira desta meia-vida imortal? Agora, devastado por desejar a rapariga, eu conseguia entender como eu podia, num egoísmo indesculpável, pedir ao meu pai esse favor. Pedir-lhe que tirasse a vida e a alma dela para que eu pudesse ficar com ela para sempre.
Ela merecia melhor.
Mas eu vi mais um futuro, uma linha estreita pela qual eu talvez pudesse caminhar, se pudesse manter o meu equilíbrio.
Conseguiria fazê-lo? Ficar com ela e deixá-la humana?
Deliberadamente, inspirei fundo e depois outra vez, deixando que o seu cheiro passasse por mim como fogo. O quarto estava cheio do seu perfume, a fragrância dela saía de cada superfície. A minha cabeça girou, mas eu lutei contra a tontura. Teria que me habituar àquilo, se eu fosse tentar ter qualquer tipo de relacionamento com ela. Respirei novamente, deixando o ar queimar-me.
Observei-a a dormir até que o sol nasceu atrás das nuvens a este, a planear e a respirar.



Voltei para casa quando os outros já tinham ido embora para a escola. Mudei de roupa rapidamente, evitando os olhos cheios de perguntas de Esme. Ela viu a luz febril no meu rosto, e sentiu preocupação e alívio. A minha melancolia sem fim magoava-a, e ela estava feliz porque parecia ter acabado.
Corri para a escola, chegando poucos segundos depois dos meus irmãos. Eles não se viraram, embora Alice deva ter desconfiado que eu estava parado aqui nas grossas árvores que cercavam o asfalto. Esperei até que ninguém estivesse a olhar, e depois andei casualmente por entre as árvores até o estacionamento cheio de carros.
Ouvi a pick-up de Bella a rugir na esquina, e parei atrás de um Suburban onde podia observá-la sem ser visto.
Ela dirigiu-se até o estacionamento, e olhou para o meu Volvo durante um longo momento antes de parar numa das vagas mais distantes, tinha uma careta no seu rosto.
Era estranho lembrar-me que ela provavelmente ainda estava zangada comigo, e por um bom motivo.
Eu queria rir-me de mim mesmo, ou bater-me. Todo o meu esquema e planeamento eram totalmente inúteis se ela não se importasse comigo, não eram? O sonho dela pode ter sido sobre alguma coisa aleatória. Eu era mesmo um idiota arrogante.
Bem, era muito melhor para ela se não se importasse comigo. Isso não me impediria de a perseguir, mas eu avisá-la-ia da minha perseguição. Devia-lhe isso.
Andei silenciosamente, a pensar em qual seria a melhor forma de me aproximar dela.
Ela tornou aquilo mais fácil. A chave da pick-up escorregou pelos seus dedos quando saiu, e caiu numa poça funda.
Ela inclinou-se, mas eu cheguei primeiro, recuperando-a antes que ela tivesse que pôr os dedos na água fria.
Encostei-me contra a pick-up enquanto ela olhava para mim, e depois endireitou-se.
- Como é que fizeste isso? - Exigiu.
Sim, ainda estava chateada.
Ofereci-lhe a chave. – Como é que fiz o quê?
Ela esticou a mão, e eu deixei-a cair na sua palma. Respirei fundo, absorvendo o cheiro.
- Aparecer vindo do nada. - Esclareceu.
- Bella, eu não tenho culpa de que tenhas uma excepcional falta de poder de observação. - As palavras eram sarcásticas, quase uma piada. Havia alguma coisa que ela não visse?
Será que ela ouviu como a minha voz disse o nome dela com carinho?
Ela olhou para mim, não estava a apreciar o meu humor. O seu batimento cardíaco acelerou. De raiva? De medo? Depois de um momento, olhou para baixo.
- Qual foi o motivo do engarrafamento da noite passada? – Perguntou-me sem me olhar nos olhos. - Pensei que andasses a fingir que eu não existo e não a matar-me de irritação.
Ainda estava bastante zangada. Ia levar algum esforço para deixar as coisas bem com ela. E lembrei-me da minha resolução de ser honesto com ela…
- Foi pelo bem do Tyler, não pelo meu. Tinha de lhe proporcionar a sua oportunidade. - E então ri-me. Não conseguia evitar, ao pensar na expressão dela ontem.
- Seu…! - Ofegou, e depois parou, parecendo estar demasiado furiosa para terminar. Ali estava: a mesma expressão. Abafei outro riso. Ela já estava zangada o suficiente.
- E não ando a fingir que tu não existes. - Terminei. Era certo manter as coisas casuais, em tom de gozo. Ela não iria entender se eu a deixasse ver como me sentia na realidade. Iria assustá-la. Tinha que manter os meus sentimentos sob controlo, manter as coisas ligeiras…
- Então andas mesmo a tentar matar-me de irritação? Já que a carrinha do Tyler não se encarregou de o fazer?
Um rápido lampejo de raiva passou por mim. Como é que ela podia honestamente acreditar naquilo?
Era irracional da minha parte ficar tão ofendido. Ela não sabia da transformação que tinha acontecido a noite passada. Mas a raiva era a mesma.
- Bella, és completamente absurda. – Disse bruscamente.
O rosto dela corou, e ela virou-se de costas para mim. Começou a ir-se embora.
Remorso. Eu não tinha direito à minha raiva.
- Espera. – Pedi.
Ela não parou, então segui-a.
- Desculpa, foi indelicado da minha parte. Não estou a dizer que não é verdade. - Era absurdo imaginar que eu a queria magoada de alguma maneira. – Mas, de qualquer forma, foi indelicado da minha parte afirmá-lo.
- Porque é que não me deixas em paz?
Acredita eu quis dizer. Eu tentei.
Ah, e outra coisa, estou miseravelmente apaixonado por ti.
Manter as coisas ligeiras.
- Queria perguntar-te algo, mas tu desviaste-me dos meus fins. - Outro curso de acção tinha acabado de me ocorrer, e eu ri-me.
- Sofres de um distúrbio de múltipla personalidade? - Perguntou.
Devia parecer que sim. O meu humor instável, tantas emoções novas a passar por mim.
- Lá estás tu outra vez. – Informei-a.
Ela suspirou. – Então, muito bem. O que queres perguntar-me?
- Estava a pensar se, de sábado a uma semana… - observei o choque a passar-lhe pelos olhos e sufoquei outra gargalhada. - Tu sabes, o dia do baile da Primavera …
Ela interrompeu-me, finalmente a dirigir-me o olhar. – Estás a tentar ser engraçado?
Sim. - Fazes o favor de me deixar terminar?
Ela esperou em silêncio, os dentes a morder o lábio macio inferior.
Aquela visão distraiu-me por um momento. Reacções estranhas, desconhecidas agitaram-se no fundo do meu esquecido núcleo humano. Tentei livrar-me delas para que pudesse fazer o meu papel.
- Ouvi-te dizer que ias a Seattle nesse dia e estava a pensar se quererias boleia. - Ofereci. Tinha-me apercebido que, melhor do que perguntar-lhe sobre os seus planos, podia partilhá-los.
Ela olhou-me inexpressivamente. – O quê?
- Queres boleia para Seattle? - Sozinho no carro com ela, a minha garganta queimou com o pensamento. Respirei fundo. Habitua-te.
- De quem? - Perguntou, os seus olhos arregalados e confusos outra vez.
- De mim, obviamente. – Disse-lhe lentamente.
- Porquê?
Era um choque assim tão grande que eu quisesse a companhia dela? Ela devia ter chegado à pior conclusão possível do meu comportamento passado.
-Bem, eu tencionava ir a Seattle durante as próximas semanas e, para ser sincero, não sei se a tua pick-up resistirá à viagem. - Era mais seguro provocá-la do que me permitir ser sério.
-A minha pick-up funciona perfeitamente, muito obrigada pela tua preocupação. - Disse na mesma voz surpreendida. E começou a andar outra vez. Continuei a segui-la.
Ela não tinha dito não, então pressionei essa vantagem.
Será que ela ia dizer não? O que é que eu fazia se ela dissesse?
- Mas será que a tua pick-up consegue realizar a viagem consumindo um só depósito de combustível?
- Não vejo em que medida é que isso possa dizer-te respeito. - Ela reclamou.
Ainda não era um não. E o coração dela estava a bater mais rápido outra vez, a respiração mais rápida.
- O desperdício de recursos limitados diz respeito a todos.
- Francamente, Edward, não consigo acompanhar-te. Pensei que não querias ser meu amigo.
Uma forte emoção atravessou-me quando ela disse o meu nome.
Como manter isto ligeiro e ser honesto ao mesmo tempo? Bem, era mais importante ser honesto. Especialmente nesta questão.
- Eu disse que seria melhor se não fôssemos amigos e não que não queria que fôssemos.
- Oh, obrigada, agora está tudo esclarecido. - Disse sarcasticamente.
Ela parou, sob o tecto da cantina, e encontrou o meu olhar novamente. As batidas do seu coração estavam aceleradas. Estava com medo?
Escolhi as minhas palavras cuidadosamente. Não, eu não conseguia deixá-la, mas talvez ela fosse esperta o suficiente para me deixar, antes que fosse demasiado tarde.
- Seria mais… prudente que não fosses minha amiga. – Enquanto olhava para a profundeza do chocolate derretido nos seus olhos, perdi a minha segurança na luz. - Mas estou farto de tentar manter-me afastado de ti, Bella. - As palavras queimaram com demasiado fervor.
A sua respiração parou e, quando voltou a respirar, aquilo preocupou-me. Quanto é que a tinha assustado? Bem, eu ia descobrir.
- Vais comigo a Seattle?
Ela acenou, com o coração a bater mais alto.
Sim. Ela tinha-me dito sim, a mim.
E depois a minha consciência sufocou-me. O que é que isso lhe iria custar?
- Devias mesmo manter-te afastada de mim. Alertei-a. Será que ela me ouvia? Será que ela iria escapar do futuro com o qual eu a estava a ameaçar? Eu não podia fazer nada para que a salvasse de mim?
Mantém-te ligeiro, avisei-me.
– Vemo-nos na aula
Tive que me concentrar para me impedir de correr enquanto fugia.

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