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sábado, 15 de agosto de 2009

Capítulo 6 - Grupo Sanguíneo

6. Grupo sanguíneo


Segui-a o dia todo através dos olhos das outras pessoas, apenas ligeiramente consciente da minha audiência.
Não pelos olhos de Mike Newton, porque não conseguia aguentar mais as suas fantasias ofensivas, e não pelos olhos de Jessica Stanley, porque o seu ressentimento com a Bella deixava-me perigosamente nervoso. Angela Weber era uma boa escolha quando os seus olhos estavam disponíveis. Ela era gentil, a sua cabeça era um lugar fácil para se estar. E algumas vezes os professores providenciavam a melhor vista.
Eu estava surpreendido, ao vê-la tropeçar o dia inteiro (a tropeçar nas falhas da calçada, a deixar os livros cair, e, a maioria das vezes, a tropeçar nos próprios pés) , que as pessoas de quem eu estava a ler os pensamentos viam-na como desastrada.
Considerei aquilo. Era verdade que muitas vezes ela tinha problemas em manter-se de pé. Lembrei-me do primeiro dia de aulas quando ela tropeçou para cima da secretária, lembrei-me quando escorregou em cima do gelo antes do acidente, quando bateu com o pé na ombreira da porta ontem… Que estranho, eles tinham razão. Ela era desastrada.
Eu não sabia por que é que aquilo era tão engraçado para mim, mas eu estava a rir-me em voz alta enquanto andava da aula de História Americana para a de Inglês, e muitas pessoas lançaram-me olhares cuidadosos. Como é que eu não tinha percebido aquilo antes? Talvez por que havia alguma coisa bastante graciosa na sua calma, na maneira como ela mantinha a cabeça, no arco do seu pescoço…
Agora não havia nada de gracioso nela. O Sr. Varner tinha acabado de a ver a prender a ponta da bota no tapete e a cair literalmente na sua cadeira.
Ri-me de novo.
O tempo passava incrivelmente lento enquanto eu estava à espera de a ver com os meus próprios olhos. Finalmente a campainha tocou. Andei rapidamente até à cantina para assegurar o meu lugar. Fui o primeiro a chegar lá. Escolhi uma mesa que normalmente estava vazia, e que ia de certeza permanecer assim comigo lá sentado.
Quando a minha família entrou e me viu sentado sozinho no meu novo lugar, não ficaram surpreendidos. A Alice devia tê-los avisado.
A Rosalie passou por mim sem olhar.
Idiota.
A Rosalie e eu nunca tivemos um relacionamento fácil, eu ofendi-a na primeira vez que ela me tinha ouvido falar, e foi tudo por água abaixo desde então. Mas parecia que ela estava mais temperamental nestes últimos dias. Suspirei. Para Rosalie era tudo sobre ela mesma.
O Jasper deu-me um meio sorriso e continuou a andar.
Boa sorte - Pensou duvidosamente.
O Emmett revirou os olhos e abanou a cabeça.
Perdeu a cabeça, pobre miúdo.
A Alice estava radiante, com os seus dentes a brilharem mais do que deviam.
Posso falar com a Bella agora?- Fica fora disto. - Disse através da minha respiração.
A cara dela ficou triste, e depois brilhou outra vez.
Tudo bem. Sê teimoso. É só uma questão de tempo.
Ela suspirou de novo.
Não te esqueças da aula de laboratório em biologia hoje.
– Lembrou-me.
Acenei com a cabeça. Não, eu não me tinha esquecido disso.
Enquanto eu estava à espera que a Bella chegasse, segui-a através dos olhos de um caloiro que estava atrás de Jessica, a caminho da cantina. A Jessica estava a tagarelar sobre o próximo baile, mas Bella não lhe disse nada em resposta. Não que Jessica lhe tivesse dado muita oportunidade de responder.
No momento em que Bella passou pela porta, os seus olhos viraram-se momentaneamente para a mesa onde meus irmãos se sentavam. Ela olhou por um momento, e depois a sua testa enrugou-se e o olhar baixou-se até o chão. Ela não tinha reparado que eu estava aqui.
Ela parecia tão… triste. Senti uma vontade urgente de me levantar e ir até ao pé ela, para confortá-la de alguma forma, só que eu não sabia o que ela iria achar reconfortante. Eu não fazia ideia o que é que a tinha posto daquela forma. A Jessica continuava a tagarelar sobre o baile. Estaria Bella triste por ir perdê-lo? Não me parecia muito provável…
Mas isso podia ser remediado, se ela quisesse.
Ela comprou uma bebida para o almoço, e mais nada. Aquilo era certo? Ela não precisava de mais nutrientes do que aquilo? Eu nunca prestei muita atenção à dieta dos humanos antes. Os humanos eram tão exasperadamente frágeis! Havia milhões de coisas com que se deviam preocupar…
- O Edward Cullen está, de novo, a olhar-te fixamente. – Ouvi a Jessica a dizer. – Pergunto-me porque estará ele hoje sentado a uma mesa sozinho.
Eu estava agradecido a Jessica, apesar de ela ainda estar mais ressentida agora, porque a Bella levantou a cabeça e os seus olhos procuraram até que encontraram os meus.
Não havia um traço de tristeza na sua cara, agora. Deixei-me acreditar que ela estava triste por imaginar que eu me tinha ido embora mais cedo, e a esperança desse pensamento fez-me sorrir.
Eu chamei-a com o meu dedo para que ela se juntasse a mim. Ela pareceu tão surpreendida com aquilo que eu quis provocá-la novamente.
Então pisquei-lhe o olho e ela ficou boquiaberta.
- Está a dirigir-se a ti? - Perguntou Jessica com desprezo.
- Talvez precise de ajuda nos trabalhos de casa de Biologia. - Disse numa voz baixa e cheia de incerteza. - Hum, é melhor ir ver o que ele deseja.
Isto foi outro sim.
Ela tropeçou duas vezes enquanto vinha para a minha mesa, apesar de não haver nada no caminho além de um piso perfeitamente plano. A sério, como é que eu tinha perdido isto antes? Tinha estado a prestar mais atenção aos seus pensamentos silenciosos, supus… O que é que eu tinha perdido mais?
Mantém as coisas honestas, ligeiras.
Repeti para mim mesmo.
Ela parou atrás da cadeira que estava à minha frente, hesitante. Eu respirei fundo, desta vez pelo nariz e não pela boca.
Sente a queimadura. Pensei secamente.
- Por que não te sentas à minha mesa hoje? – Perguntei-lhe.
Ela puxou a cadeira e sentou-se, a olhar para mim o tempo inteiro. Ela parecia nervosa, mas a sua aceitação física era um outro sim.
Esperei que ela falasse.
Levou um momento, mas finalmente disse – Esta situação é fora do vulgar.
- Bem…- Hesitei – Decidi que, já que ia para o inferno, mais valia fazê-lo de forma consumada. -
O que é que me tinha feito dizer aquilo? Suponho que pelo menos tenha sido honesto. E talvez ela tivesse ouvido o aviso subtil que as minhas palavras continham. Talvez ela percebesse que se devia levantar e sair dali o mais rápido que pudesse…
Ela não se levantou. Olhava para mim, à espera, como se eu não tivesse terminado a minha frase.
- Tu sabes que eu não faço a menor ideia do daquilo a que te referes. - Disse quando percebeu que eu não ia continuar.
Aquilo foi um alívio, sorri.
- Pois sei.
Era difícil ignorar os pensamentos que estavam a gritar atrás das suas costas. E eu queria mudar de assunto, de qualquer das maneiras.
- Acho que os teus amigos estão zangados comigo por te ter roubado.
Isso não a pareceu preocupar. – Hão-de sobreviver.
- Mas eu posso não te devolver. - Eu não fazia ideia se estava a tentar ser honesto agora ou apenas a tentar provocá-la outra vez. Estar ao pé dela fazia com que fosse complicado dar sentido aos meus pensamentos.
Bella engoliu em seco.
Eu ri-me da expressão dela. - Pareces preocupada. - Aquilo realmente não devia ser engraçado, ela devia estar preocupada.
- Não - Ela era uma péssima mentirosa. Não a ajudou em nada que a sua voz falhasse – Na verdade estou surpreendida… A que se deve tudo isto?
- Já te disse, fartei-me de tentar manter-me afastado de ti. Portanto, desisto. – Mantive o meu sorriso com um bocado de esforço. Isto não estava a funcionar de todo: tentar ser honesto e casual ao mesmo tempo.
- Desistes? - Repetiu perplexa.
- Sim, desisto de tentar ser bom. - E pelos vistos a desistir de tentar ser casual. – A partir de agora, faço apenas o que me apetece e o resto que se dane.
Aquilo foi honesto o suficiente. Deixar que ela visse o meu egoísmo. Deixar que aquilo a avisasse, também.
- Baralhaste-me de novo.
Eu era egoísta o suficiente para estar feliz por ser esse o caso. – Falo sempre de mais quando converso contigo, esse é um dos problemas.
Um problema bastante insignificante, comparado com todos os outros.
- Não te preocupes. – Assegurou-me. – Não compreendo nada do que dizes.
Óptimo, então ela iria ficar. – Estou a contar com isso.
- Então, em bom inglês, já somos amigos?
Ponderei por um segundo. - Amigos… - Repeti. Não gostei do som daquilo. Não era suficiente.
- Ou não? - Sussurrou, parecendo envergonhada.
Será que ela pensava que eu não gostava dela àquele ponto?
Sorri. - Bem, suponho que podemos tentar. Mas aviso-te de que não sou um bom amigo para ti.
Esperei pela resposta dela, dividido em dois, à espera que ela finalmente ouvisse e entendesse, e a imaginar que poderia morrer se ela o fizesse. Que melodramático. Eu estava a transformar-me demasiado num humano.
O coração dela batia mais rápido. – Repetes isso muitas vezes.
- Pois, porque não estás a dar-me ouvidos. – Disse-lhe, demasiado intenso outra vez. – Ainda estou à espera que acredites no que te digo. Se fores esperta, evitas-me.
Ah, mas será que eu iria permitir que ela fizesse isso, se tentasse?
Semicerrou os olhos. – Julgo que também já tornaste bastante clara a tua opinião a respeito do meu intelecto.
Não tinha bem a certeza do que é que ela estava a falar, mas sorri a desculpar-me, chegando à conclusão que a devia ter ofendido acidentalmente.
- Então. - Disse ela devagar. - Enquanto eu não estiver a ser esperta… tentaremos ser amigos?
- Parece-me que é mais ou menos isso.
Ela olhou para baixo, a examinar a garrafa de limonada que tinha nas mãos.
A velha curiosidade atormentava-me.
- Em que é que estás a pensar? – Era um alívio dizer aquelas palavras em voz alta finalmente.
O olhar dela encontrou o meu, e sua respiração acelerou enquanto as bochechas coravam. Eu inspirei, saboreando aquilo no ar.
- Estou a tentar compreender quem tu és.
Mantive o sorriso no meu rosto, e tranquei a minha expressão naquela forma, enquanto o pânico percorria o meu corpo todo.
É claro que ela se estava a questionar. Ela não era estúpida. Eu não podia ficar à espera que ela ficasse indiferente a uma coisa tão óbvia.
- Estás a fazer progressos nessa empreitada? - Perguntei da forma mais subtil que consegui.
- Não muitos. - Admitiu.
Ri-me suavemente com a resposta, sentindo um súbito alívio. – Quais são as tuas teorias?
Não podiam ser piores que a verdade, o que quer que fossem.
As bochechas dela ficaram ainda mais vermelhas, e ela não disse nada. Eu conseguia sentir no ar o calor do seu rubor.
Tentei usar meu tom persuasivo com ela. Funcionava bem com humanos normais.
- Não me dizes? - Sorri, encorajando-a.
Ela abanou a cabeça negativamente. - É demasiado embaraçoso.
Ugh. Não saber era pior do que outra coisa qualquer. Por que é que as especulações dela a tinham deixado envergonhada? Não conseguia suportar não saber.
- Isso é mesmo frustrante, sabes.
A minha reclamação disparou algo nela. Os olhos brilharam e as palavras fluíram mais rapidamente que o normal.
- Não. Não consigo imaginar por que motivo tal seria minimamente frustrante, apenas porque alguém recusa revelar-te os seus pensamentos, mesmo que, durante todo esse tempo, essa pessoa teça comentariozinhos obscuros que se destinam especificamente a manter-te acordado à noite, perguntando a ti mesmo qual será o respectivo significado… agora, por que motivo é que tal seria frustrante?
Eu franzi as sobrancelhas, chateado por me aperceber que ela estava certa. Eu não estava a ser justo.
Ela continuou. - Ou melhor, digamos que essa pessoa também cometeu uma grande variedade de actos bizarros, desde salvar a tua vida em circunstâncias incríveis num dia e a tratar-te como um pária no seguinte, nunca te tendo igualmente dado uma explicação para nenhum desses factos, mesmo depois de ter prometido fazê-lo. Isso também não seria nada frustrante.
Foi o discurso mais longo que eu a tinha ouvido fazer, e isso acrescentou mais uma qualidade à minha lista.
- Tens um ligeiro mau feitio, não tens?
- Não me agrada a dualidade de critérios.
A sua irritação era completamente justificável, é claro.
Olhei para a Bella, a imaginar como é que poderia fazer qualquer coisa certa por ela, até que a gritaria silenciosa na cabeça de Mike Newton me distraiu.
Ele estava tão zangado que me fez rir.
- O que foi? - Ela exigiu.
- O teu namorado parece pensar que eu estou a ser desagradável contigo. Está a deliberar se há-de vir ou não interromper a nossa discussão. - Eu ia adorar vê-lo tentar. Ri-me novamente.
- Não sei a quem te referes. - Disse de forma fria - Mas seja como for, tenho a certeza de que estás enganado.
Eu gostei bastante da maneira como ela o rejeitou com a sua frase desdenhosa.
- Não estou. Já te disse, a maioria das pessoas é transparente.
- Excepto eu, é claro.
- Sim. Excepto tu. - Ela tinha que ser a excepção em tudo? Não seria mais justo, considerando tudo o resto que eu tinha de lidar agora, que eu pudesse ouvir ALGUMA COISA da sua cabeça? Era pedir muito? – Pergunto-me porque será.
Olhei-a directamente nos olhos, a tentar novamente.
Ela desviou o olhar. Abriu a sua limonada e deu um curto e rápido gole, os seus olhos estavam na mesa.
- Não tens fome? - Perguntei.
- Não. - Ela olhava para a mesa vazia entre nós. – E tu?
- Não, não tenho fome. – Disse-lhe. Definitivamente não tinha.
Ela estava a olhar para a mesa com os lábios cerrados. Eu esperei.
- Podes fazer-me um favor? - Perguntou, a encontrar subitamente o meu olhar.
O que é que ela poderia querer de mim? Ir-me-ia perguntar sobre a verdade à qual não me era permitido responder-lhe? A verdade que eu queria que ela nunca, nunca soubesse?
- Depende daquilo que pretendes.
- Não é nada de mais. - Prometeu.
Esperei, curioso de novo.
- Pensei apenas… - Disse lentamente, a olhar para a garrafa de limonada, a percorrer a entrada da garrafa com o seu dedo mindinho. - Se poderias avisar-me antecipadamente da próxima vez que resolveres ignorar-me para o meu próprio bem? Apenas para que eu esteja preparada. - Ela queria um aviso? Então ser ignorada por mim deve ser uma coisa má … Sorri.
- Parece-me justo. - Concordei.
- Obrigada. – Disse-me, a olhar para cima. A sua cara estava tão aliviada que eu quis-me rir do meu próprio alívio.
- Sendo assim, podes dar-me uma resposta em troca? - Perguntei, com esperança.
- Só uma. - Concedeu
- Revela-me uma teoria.
Ela corou. - Essa não.
- Não ficaste apurada, prometeste-me apenas uma resposta. – Argumentei.
- Tu também fizeste promessas que não cumpriste. - Argumentou também.
Ali ela tinha razão.
- Apenas uma teoria, eu não me rio.
- Sim, ris. - Ela parecia estar segura disso, apesar de eu não conseguir imaginar nada que pudesse ter piada em relação àquilo.
Tentei usar a persuasão outra vez. Olhei para bem fundo dos seus olhos. Uma coisa fácil de se fazer, com olhos tão intensos, e sussurrei. – Por favor?
Ela piscou os olhos, e o rosto ficou pálido.
Bem, não era bem aquela reacção que eu queria.
- Hã, o quê? – Perguntou-me. Parecia tonta. O que é que havia de errado com ela?
- Por favor, revela-me apenas uma teorinhazinha. - Pedi com a minha voz suave e não assustadora, enquanto aguentava os olhos dela nos meus.
Para minha surpresa e satisfação, finalmente funcionou.
- Hum, bem, foste mordido por uma aranha radioactiva?
Banda - desenhada? Não admirava que ela achasse que eu me ia rir.
- Essa teoria não é muito criativa. - Tentei esconder o meu alívio.
- Lamento, é a única que tenho. - Disse, ofendida.
Isso deixou-me ainda mais aliviado. Consegui provocá-la outra vez.
- Não estás nem perto da verdade.
- Não há aranhas?
- Não.
- Nem radioactividade?
- Nenhuma.
- Raios. - Suspirou.
- O kriptonyte também não me afecta. - Respondi depressa, antes que ela pudesse perguntar sobre mordidas, e aí eu tinha que me rir, porque ela achava que eu era um super-herói.
- Não podes rir-te, lembras-te?
Pressionei os lábios.
- Acabarei por descobrir. - Prometeu.
E quando descobrisse, ia fugir.
- Quem me dera que não tentasses. – Disse-lhe, e todos os sinais da minha provocação estavam ausentes.
- Porque…?
Eu devia-lhe honestidade. Tentei sorrir, deixar as minhas palavras menos ameaçadoras. - E se eu não for um super-herói? E se for o vilão?
Os seus olhos arregalaram-se ligeiramente e os lábios separaram-se um bocado. - Ah. - Disse ela. E então, depois de um segundo. – Estou a ver.
Finalmente ela ouviu-me
- Estás mesmo? – Perguntei-lhe, a tentar esconder a minha agonia.
- És perigoso? - Adivinhou. A sua respiração aumentou e o coração acelerou.
Não lhe conseguia responder. Era este o meu último momento com ela? Ela ia fugir agora? Seria capaz de lhe dizer que a amava antes que ela partisse? Ou isso iria assustá-la ainda mais?
- Mas não és mau. - Sussurrou, abanando a cabeça, sem medo nos olhos intensos. - Não, não acredito que sejas mau.
- Estás enganada. - Disse baixo.
É claro que eu era mau. Não estava feliz agora, que ela pensava melhor de mim do que eu merecia? Se eu fosse uma boa pessoa, eu tinha ficado longe dela.
Estiquei a mão pela mesa, agarrando a tampa da garrafa da limonada dela como uma desculpa. Ela não recuou da minha mão próxima. Ela realmente não tinha medo de mim. Ainda não.
Girei a tampa rapidamente, a olhar para a tampa em vez de para Bella. Os meus pensamentos estavam confusos.
Foge, Bella, foge. Não conseguia dizer as palavras em voz alta.
Levantou-se. - Vamos chegar atrasados. - Disse ela, mesmo quando eu tinha começado a preocupar-me que ela tivesse ouvido o meu aviso silencioso.
- Não vou à aula hoje.
- Porque não?
Porque eu não te quero matar. - É saudável baldarmo-nos às aulas de vez em quando. - Para ser exacto, era mais saudável para os humanos quando os vampiros se baldavam à aula nos dias em que sangue humano ia ser derramado. O Sr. Banner ia fazer recolha de tipos sanguíneos hoje. A Alice já se tinha baldado à aula de manhã.
- Bem, eu vou. - Disse ela. Aquilo não me surpreendeu. Ela era responsável, fazia sempre a coisa certa.
Ela era o oposto de mim.
- Então, vemo-nos mais tarde. – Disse-lhe, a tentar parecer casual novamente, a olhar para baixo, para a tampa que girava. E, por falar nisso, eu adoro-te … de uma maneira perigosa, assustadora.
Ela hesitou, e por um momento desejei que ela ficasse comigo. Mas a campainha tocou e ela apressou-se.
Esperei até que ela tivesse desaparecido, e depois guardei a tampa no meu bolso, uma lembrança desta conversa importante, e andei pela chuva até ao meu carro.
Pus o CD que me acalmava mais, o mesmo que tinha posto naquele primeiro dia, mas eu não ouvi as notas de Debussy por muito tempo. Outras notas estavam a passar rapidamente pela minha cabeça, o fragmento de uma melodia que me agradava e que me intrigava. Baixei o rádio e ouvi a música na minha cabeça, tocando o fragmento até que se desenvolveu para uma harmonia completa. Instintivamente, os meus dedos moveram-se no ar sobre teclas imaginárias.
A nova composição estava realmente a surgir quando a minha atenção foi desviada por uma onda de angústia mental.
Procurei na direcção da aflição.
Ela vai desmaiar? O que é que eu faço? O Mike estava em pânico.
A noventa metros, Mike Newton estava agachado sobre o corpo mole de Bella na calçada. Ela escorregou sem reacção no cimento molhado, os olhos fechados, a pele pálida como a de um cadáver.
Eu quase arranquei a porta do carro.
- Bella? - Gritei.
Não houve mudança no seu rosto sem vida quando gritei o nome dela.
O meu corpo inteiro ficou mais frio que gelo.
Estava ciente da surpresa irritada de Mike enquanto varria furiosamente os seus pensamentos. Ele só estava a pensar no ódio que tinha por mim, portanto eu não sabia o que é que se passava com Bella. Se ele tivesse feito alguma coia para a magoar eu ia aniquilá-lo.
- O que é que se passa? Ela magoou-se? - Ordenei, a tentar concentrar os seus pensamentos. Era de enlouquecer ter que andar à velocidade humana. Eu não devia ter chamado à atenção a minha aproximação.
Então consegui ouvir o coração dela a bater, e cada respiração que dava. Enquanto eu observava, fechou ainda mais os olhos. Aquilo acalmou um bocado o meu pânico.
Vi um pedaço das memórias na cabeça de Mike, imagens rápidas da aula de biologia. A cabeça de Bella na mesa, a sua pele a ficar verde. Gotas de vermelho contra cartões brancos…
Recolha de grupo sanguíneo.
Parei onde estava, parando de respirar. O cheiro dela era uma coisa, o seu sangue a escorrer era outra totalmente diferente.
- Acho que ela desmaiou. – Disse Mike, ansioso e ressentido ao mesmo tempo. – Não sei o que aconteceu, ela nem sequer picou o dedo.
O alívio passou por mim, e respirei novamente, sentindo o ar. Ah, consegui cheirar o mínimo aroma da pequena ferida de Mike Newton. Anteriormente, aquilo teria sido extremamente apelativo para mim.
Ajoelhei-me perto dela enquanto Mike se remexia ao meu lado, furioso com a minha intervenção.
- Bella. Consegues ouvir-me?
- Não. - Gemeu. – Vai-te embora.
Ri-me. Ela estava bem.
- Eu ia levá-la à enfermaria. - Disse Mike. – Mas ela recusou-se a avançar mais.
- Eu levo-a. Podes voltar para a aula. – Disse-lhe, indiferente.
Os dentes de Mike rangeram. - Não. Sou eu que devo fazê-lo.
Eu não ia ficar ali parado a discutir com aquele infeliz.
Excitado e apavorado, meio agradecido e meio aflito pela situação desagradável que fez com que o toque dela fosse uma necessidade, levantei suavemente Bella da calçada e segurei-a nos meus braços, tocando só na sua roupa, e mantive o máximo de distância entre os nossos corpos que fosse possível. Eu andava a passos largos para a frente, numa pressa de a pôr a salvo. O mais longe de mim, por outras palavras.
Os olhos dela abriram-se, atónitos.
- Põe-me no chão! - Ordenou com uma voz fraca, envergonhada outra vez, supus pela sua expressão. Ela não gostava de mostrar fraqueza.
Eu mal ouvia Mike a gritar os seus protestos atrás de nós.
- Estás com péssimo aspecto. – Disse-lhe, a sorrir, aliviado por não haver nada de mal com ela além de uma cabeça leve e um estômago fraco.
- Coloca-me novamente no passeio. - Disse. Os seus lábios estavam brancos.
- Com que então desmaias ao ver sangue? - Aquilo podia ser mais irónico?
Ela fechou os olhos e pressionou os lábios.
- E nem sequer se tratava do teu próprio sangue. - Acrescentei, o meu sorriso a aumentar.
Estávamos à frente da secretaria. A porta estava levemente aberta, e eu dei-lhe um pontapé para sair do nosso caminho.
A senhora Cope saltou, assustada. – Credo! – Engasgou-se enquanto examinava a rapariga pálida nos meus braços.
- Ela desmaiou na aula de Biologia. - Expliquei, antes que a sua imaginação começasse a ir para muito longe.
A senhora Cope apressou-se a abrir a porta da enfermaria. Os olhos de Bella estavam abertos novamente, a observá-la.
Ouvi o assombro interno da enfermeira idosa enquanto eu deitava a rapariga cuidadosamente numa cama gasta. Assim que Bella estava fora dos meus braços, eu pus a distância da sala entre nós. O meu corpo estava demasiado excitado, demasiado ansioso, os meus músculos tensos e o veneno a fluir. Ela era tão quente e perfumada.
- Ela está apenas um pouco fraca. - Assegurei à Senhora Hammond. - Eles estão a tipificar sangue na aula de Biologia.
Ela abanou a cabeça, a compreender. – Acontece sempre a alguém.
Abafei um riso. Podia-se confiar em Bella para ser aquele alguém.
- Deita-se só um pouco, amor. - Disse Sra. Hammond. – Isso passa.
- Eu sei. – Disse Bella.
- Isso acontece-te muito frequentemente? – Perguntou a enfermeira.
- Às vezes. – Admitiu Bella.
Tentei disfarçar a minha gargalhada a tossir.
Aquilo virou a atenção da enfermeira para mim. – Já podes voltar para a aula. - Disse.
Eu olhei-a directamente nos olhos e menti confiantemente. - Devo ficar com ela.
Hum. Pergunto-me… oh, bem. Sra. Hammond abanou a cabeça.
Aquilo funcionou perfeitamente com ela. Por que é que Bella tinha que ser tão difícil?
- Vou buscar gelo para colocares na testa, querida. - Disse a enfermeira, ligeiramente desconfortável por me ter estado a olhar nos olhos: da maneira que um humano devia ficar, e deixou a sala.
- Tinhas razão. – Lamentou-se Bella, fechando os olhos.
O que é que ela queria dizer? Fui directamente para a pior conclusão: ela tinha aceitado os meus avisos.
- Costumo ter. – Disse-lhe, tentando parecer divertido. – Mas, desta vez, a respeito de quê em particular?
- Fazer gazeta é mesmo saudável. - Suspirou.
Ah, alívio de novo.
Depois ficou em silêncio. Só respirava lentamente para dentro e para fora. Os seus lábios estavam a começar a ficar rosados. A boca dela estava ligeiramente fora de equilíbrio, o lábio inferior era um bocado mais cheio do que o superior. Olhar para a boca dela fazia-me sentir estranho. Fazia-me querer aproximar dela, o que não era uma boa ideia.
- Por um instante assustaste-me. – Disse-lhe, para reiniciar a conversa e ouvir a sua voz novamente. – Pensei que o Newton estava a arrastar o teu corpo sem vida para entrar no bosque.
- Ah, ah. - Disse.
- Sinceramente, já vi cadáveres com melhor cor. - Aquilo era realmente verdade. -Estava preocupado com a possibilidade de ter de vingar o teu homicídio. – E eu tê-lo-ia feito.
- Pobre Mike. – Suspirou. – Aposto que está furioso.
A fúria passou-me nas veias, mas controlei-a rapidamente. A preocupação dela era apenas pena. Ela era simpática. Era apenas isso.
- Ele abomina-me de verdade. – Disse-lhe, animado com a ideia.
- Não podes ter a certeza disso.
- Vi a cara dele, era perceptível. - Provavelmente era verdade que ler a cara dele ter-me-ia dado tais informações para fazer aquela dedução em particular. Toda esta prática com Bella estava a afinar a minha habilidade em ler expressões humanas.
- Como é que me viste? Pensei que estavas a fazer gazeta. - O rosto dela parecia melhor. O verde tinha desaparecido da sua pele translúcida.
- Estava no meu carro, a ouvir um CD.
A sua expressão mudou-se, como se a minha resposta comum a tivesse surpreendido de alguma forma.
Ela abriu os olhos novamente quando a Sra. Hammond voltou com uma compressa fria.
- Aqui tens, querida – Disse a enfermeira enquanto punha a compressa na testa de Bella. – Estás com melhor aspecto.
- Acho que estou bem. - Disse Bella, e sentou-se afastando a compressa. É claro. Ela não gostava que cuidassem dela.
As mãos enrugadas da Sra. Hammond estavam a ir na direcção da rapariga, como se quisessem fazer com que ela se deitasse novamente, mas depois a Sra. Cope abriu a porta e inclinou-se para dentro da enfermaria. Com entrada dela, veio um o cheiro de sangue fresco, como uma pequena explosão.
Invisível no gabinete por detrás dela, o Mike Newton ainda estava bastante zangado, desejando que o rapaz pesado que ele estava a carregar agora fosse a rapariga que estava ali dentro comigo.
- Chegou outro. – Disse a Sra. Cope.
A Bella saltou rapidamente da cama, ansiosa por deixar de ser o centro das atenções.
- Aqui tem. – Disse-lhe, devolvendo a compressa à Sra. Hammond – Não preciso disto.
Mike grunhiu enquanto empurrava um bocado Lee Stevens pela porta. O sangue ainda gotejava da mão que Lee segurava ao pé da cara, a pingar pelo seu pulso.
- Oh não. - Este era o meu convite para sair, e de Bella, também, pelos vistos. – Vai para o gabinete Bella.
Ela olhou para mim com olhos confusos.
- Confia em mim, vai.
Ela virou-se e alcançou a porta antes que se fechasse, apressando-se em direcção à secretaria. Eu segui-a a alguns centímetros de distância. O cabelo dela em movimento tocou na minha mão…
Ela virou-se para olhar para mim, ainda com os olhos arregalados.
- Tu deste-me mesmo ouvidos. - Essa era novidade.
O seu pequeno nariz enrugou-se. – Senti o cheiro do sangue.
Eu olhei para ela surpreendido - As pessoas não conseguem sentir o cheiro do sangue.
- Pois, eu consigo, e é isso que me faz ficar indisposta. Cheira a ferrugem e…sal.
O meu rosto estava imóvel, ainda a olhar fixamente para ela.
Ela era mesmo humana? Ela parecia humana. Ela era suave como um humano. Ela cheirava como um humano, bem, na realidade cheirava melhor. Agia como um humano… mais ou menos. Mas não pensava como um, ou respondia como um.
Quais eram as outras opções, então?
- O que foi? – Perguntou-me.
- Não foi nada.
Então o Mike Newton interrompeu-nos, entrando na secretaria com pensamentos ressentidos, violentos.
- Estás com melhor aspecto. - Disse-lhe ele, rudemente.
A minha mão tremeu, a querer ensinar-lhe algumas maneiras. Eu ia ter que me controlar, ou ia acabar por matar aquele rapaz insolente.
- Mantém apenas a mão no bolso. - Disse. Por um segundo selvagem, pensei que ela estivesse a falar comigo.
- Já não está a sangrar. Vais voltar para a aula?
- Estás a gozar? Teria apenas de dar meia volta e regressar para aqui.
Aquilo era muito bom. Eu tinha pensado que ia perder esta hora inteira com ela, e agora em vez disso, eu tinha tempo extra. Senti-me ganancioso.
- Suponho que sim… - Murmurou o Mike. – Então, vais participar na viagem deste fim-de-semana? À praia?
Ah, eles tinham planos. A raiva imobilizou-me naquele lugar. Mas era uma viagem de grupo. Eu tinha visto algumas coisas daquilo nas cabeças de outros alunos. Não eram só eles os dois. Eu ainda estava furioso. Inclinei-me praticamente sem movimentos contra o balcão, a tentar controlar-me.
- Claro, eu disse que alinhava. – Prometeu-lhe.
Então ela também lhe disse sim a ele. A inveja queimava, mais dolorosa do que a sede.
Não, era uma saída de grupo, tentei-me convencer. Ela ia apenas passar o dia com os amigos. Nada de mais.
- Vamos encontrar-nos na loja do meu pai às dez horas. E o Cullen NÃO ESTÁ convidado.
- Lá estarei. - Disse ela.
- Então vemo-nos na aula de educação física.
- Até logo.
Ele foi em direcção à sua aula, com os pensamentos cheios de raiva. O que ela vê naquela aberração? Claro, ele é rico, acho eu. As raparigas acham que ele é lindo, mas eu não acho. Demasiado… demasiado perfeito. Eu aposto que o pai dele experimenta todas as cirurgias plásticas neles. É por isso que eles são tão brancos e bonitos. Não é natural. É um tipo de… aparência assustadora. Às vezes, quando ele olha para mim, eu podia jurar que ele está a pensar em matar-me… Aberração…
Afinal Mike não era totalmente desatento.
- Educação física. - Repetiu Bella silenciosamente. Um gemido.
Olhei para ela, e vi que ela estava triste com alguma coisa novamente. Eu não tinha a certeza porquê, mas era óbvio que ela não queria ir para a próxima aula com o Mike, e eu estava de acordo com aquele plano.
Fui para o lado dela e aproximei-me da sua cara, sentindo o calor da sua pele a irradiar directamente para os meus lábios. Não me atrevi a respirar.
- Eu posso tratar disso. - Murmurei. – Vai-te sentar e faz um ar pálido.
Ela fez o que pedi, sentou-se numa das cadeiras vazias e inclinou a cabeça para trás, contra a parede, enquanto, atrás de mim, a Sra. Cope saiu da enfermaria e voltou à sua mesa. Com os olhos fechados, a Bella parecia que estava a desmaiar outra vez. A cor dela ainda não tinha voltado completamente.
Virei-me para a secretária. Tinha esperanças que a Bella estivesse a prestar atenção a isto, eu pensei. Era assim que um humano devia reagir
- Menina Cope? - Perguntei, a usar a minha voz persuasiva de novo.
As suas pestanas agitaram-se, e o seu coração começou a bater mais rápido. Demasiado jovem, controla-te! - Sim?
Aquilo foi interessante. Quando a pulsação de Shelly Cope acelerou, foi porque ela me achou fisicamente atraente, não porque estava assustada. Eu estava habituado a isso quando estava à volta de fêmeas humanas… contudo eu não tinha considerado isso como explicação para a aceleração do coração da Bella.
Eu até que gostei daquilo. Sorri e a respiração da menina Cope acelerou.
- A Bella tem Educação Física no próximo tempo, e eu acho que ela não se sente suficientemente bem. Na verdade, estava a pensar se não deveria levá-la já para casa. Acha que podia dispensá-la da aula? – Olhei para a profundidade dos olhos dela, a divertir-me com a destruição que causava nos seus processos mentais. Seria possível que Bella…?
A menina Cope teve de engolir em alto som antes de poder responder. – Também precisa de ser dispensado, Edward?
- Não, eu tenho a professora Goff, ela não se importa.
Agora eu já não lhe estava a prestar muita atenção. Estava a explorar aquela nova possibilidade.
Hum. Eu gostava de acreditar que a Bella me achava atraente como os outros humanos me achavam, mas desde quando é que Bella tem as mesmas reacções que os outros humanos? Eu não podia manter as minhas esperanças elevadas.
- Muito bem, está tudo tratado. Desejo-lhe as melhoras, Bella.
Bella acenou com a cabeça, bastante fraca, a exagerar um bocado.
- Consegues andar ou queres que eu te carregue novamente? – Perguntei-lhe, divertido pelo seu mau teatro. Eu sabia que ela iria querer andar, ela não queria parecer fraca.
- Eu vou a pé. - Disse.
Certo outra vez. Eu estava a melhorar nisto.
Ela pôs-se de pé, hesitante por um momento como se estivesse a confirmar o seu equilíbrio. Eu segurei-lhe a porta, e saímos para a chuva.
Olhei para ela enquanto erguia a sua cara para a chuva fraca, os olhos fechados, um leve sorriso nos lábios. O que é que ela estava a pensar? Alguma coisa naquela cena parecia errada, e rapidamente percebi por que é que aquela acção me parecia tão pouco familiar. As raparigas humanas normais não levantariam a cara para a chuva daquela maneira, as raparigas humanas normais normalmente usam maquilhagem, mesmo aqui neste lugar húmido.
A Bella nunca usava maquilhagem, nem devia. As indústrias de cosméticos lucram bilhões de dólares por ano com mulheres que tentam conseguir uma pele como a dela.
-Obrigada. - Disse ela, agora a sorrir-me. - Quase vale a pena ficar doente para faltar a Educação física.
Comecei a atravessar o pátio, a imaginar como é que poderia prolongar o meu tempo com ela. – Sempre às ordens. – Disse-lhe.
- Então, vais? À viagem do próximo sábado, quero eu dizer. - Ela parecia esperançosa.
Ah, a sua esperança era tranquilizante. Ela queria-me com ela, não o Mike Newton. E eu queria dizer que sim. Mas havia muitas coisas a considerar. Em primeiro lugar, o sol ia brilhar este sábado…
- Exactamente aonde é que todos vão? - Tentei manter a minha voz indiferente, como se não me importasse muito. Mas o Mike tinha dito praia. Não tinha muitas oportunidades de escapar à luz do sol lá.
- Até La Push, ao porto.
Raios. Bem, então era impossível.
De qualquer forma, o Emmett ficaria irritado se eu cancelasse os nossos planos.
Baixei os olhos e olhei para ela, a sorrir forçosamente. – Eu realmente penso que não fui convidado.
Ela suspirou, resignada. - Eu acabei de te convidar.
- Não vamos, tu e eu, provocar ainda mais o coitado do Mike esta semana. Não queremos que ele rebente. – Imaginei-me a fazer com o que o pobre Mike rebentasse, e desfrutei intensamente daquela cena mental.
- Mike-chmike. - Disse, com desprezo outra vez. O meu sorriso aumentou.
E depois ela começou a afastar-se de mim.
Sem pensar no que estava a fazer, estiquei-me e agarrei-a pela parte de trás do seu casaco. Ela deu um solavanco ao parar.
- Aonde é que pensas que vais? - Eu estava quase zangado por ela me estar a deixar. Eu não tinha passado tempo suficiente com ela. Ela não se podia ir embora, ainda não.
- Vou para casa. - Disse, confusa por não ter percebido por que é que aquilo me tinha irritado.
- Não me ouviste prometer levar-te a casa em segurança? Julgas que vou deixar-te conduzir no estado em que te encontras? - Eu sabia que ela não ia gostar daquilo, a minha implicação de fraqueza da sua parte.
Mas eu precisava de praticar para a viagem a Seattle, de qualquer forma. Ver se conseguia lidar com a sua proximidade num espaço fechado. Esta era uma viagem muito mais curta.
- Qual estado? – Perguntou. - E a minha pick-up?
- Peço à Alice que a leve até tua casa depois das aulas. – Puxei-a de volta para o meu carro cuidadosamente, embora agora eu soubesse que andar para a frente era desafiador o suficiente para ela.
- Larga-me! - Disse, a contorcer-se de lado, quase a tropeçar. Eu levantei uma mão para a segurar, mas ela ajeitou-se antes que isso fosse necessário. Eu não devia estar à procura de desculpas para lhe tocar. Aquilo fez com que eu começasse a pensar sobre a reacção da menina Cope quanto a mim, mas guardei isso para pensar depois. Havia muito a ser considerado daqui para a frente.
Eu deixei-a ao lado do carro, e ela cambaleou até a porta. Eu teria de ser ainda mais cuidadoso, tendo em conta o seu fraco equilíbrio…
- És tão atrevido!
- Está aberta.
Entrei pelo meu lado do carro e liguei-o. Ela manteve o seu corpo rígido, ainda do lado de fora, apesar da chuva estar a ficar mais forte e eu sabia que ela não gostava de frio e humidade. A água estava a encharcar o cabelo grosso dela, escurecendo-o até ficar quase preto.
- Estou perfeitamente apta a conduzir até casa!
É claro que estava. Só que eu não era capaz de a deixar ir.
Baixei o vidro do lado do passageiro e inclinei-me na sua direcção. - Entra Bella.
Os olhos dela semicerram-se e eu supus que ela estivesse a decidir se devia ou não correr até à carrinha.
- Limitar-me-ei a arrastar-te novamente até aqui. - Prometi, desfrutando o desapontamento no seu rosto quando ela percebeu que eu estava a falar a sério.
O seu queixo enrijeceu-se no ar, abriu a sua porta e entrou. O cabelo dela pingou no couro do banco e as suas botas rangeram uma contra a outra.
- Isto é completamente desnecessário. - Disse friamente. Achei que ela parecia envergonhada por debaixo da humilhação.
Aumentei o aquecedor para que ela não se sentisse desconfortável, e pus a música num bom volume de fundo. Conduzi em direcção à saída, observando-a pelo canto dos olhos. O seu lábio inferior sobressaía-se teimosamente. Olhei para ela, a examinar como é que me fazia sentir… a pensar na reacção da secretária outra vez…
De repente, ela olhou para o rádio e sorriu, os olhos arregalados. - Claire de Lune? - perguntou.
Uma fã dos clássicos? – Conheces Debussy?
- Não muito bem. – Disse. – A minha mãe põe muita música clássica a tocar em casa. Só conheço os meus compositores preferidos.
- Debussy também é um dos meus compositores preferido. - Olhei para a chuva, a considerar aquilo. Eu realmente tinha algo em comum com a rapariga. Já tinha começado a pensar que nós éramos opostos em todos os sentidos.
Ela parecia mais relaxada agora, a olhar para a chuva como eu, com olhos vagos. Eu aproveitei a sua distracção momentânea para testar a minha respiração.
Inalei cuidadosamente pelo meu nariz.
Potente.
Apertei o volante com força. A chuva fazia-a cheirar melhor. Eu nem tinha pensado que isso fosse possível. Estupidamente, estava subitamente a imaginar como é que ela devia saber…
Tentei engolir contra a queimadura na minha garganta, para pensar nalguma coisa diferente.
- Como é a tua mãe? - Perguntei como distracção.
A Bella sorriu. – Parece-se bastante comigo, mas é mais bonita.
Eu duvidava daquilo.
- Tenho demasiada influência genética do Charlie. - Continuou. – Ela é mais sociável do que eu e também mais corajosa.
Duvidava daquilo, também.
- É irresponsável, ligeiramente excêntrica e uma cozinheira muito imprevisível. É a minha melhor amiga. - A voz dela tornou-se melancólica, a sua testa enrugou-se.
Novamente, ela mais parecia um pai do que um filho.
Parei à frente da sua casa, a imagianr tarde de mais se eu devia saber onde ela morava. Não, isso não era suspeito numa cidade pequena, com o pai dela a ser uma figura pública…
- Que idade tens, Bella? - Ela devia ser mais velha que as outras pessoas. Talvez ela tenha começado mais tarde a escola, ou tenha reprovado… mas isso não era provável.
- Tenho dezassete anos. - Respondeu.
- Não pareces ter dezassete anos.
Ela riu-se.
- O que foi?
- A minha mãe diz sempre que eu nasci com trinta e cinco anos de idade e que a minha mentalidade se torna mais característica de uma pessoa de meia-idade a cada ano que passa. - Ela riu-se outra vez e suspirou. – Bem, alguém tem de desempenhar o papel de adulto.
Aquilo esclarecia-me as coisas. Agora conseguia perceber… como a irresponsabilidade da mãe ajudava a explicar a maturidade de Bella. Ela teve que crescer mais cedo, para se tornar a responsável. Era por isso que ela não gostava que cuidassem dela, ela sentia que esse era o seu trabalho.
- Tu também não pareces um jovenzinho do liceu. - Disse, puxando-me dos meus devaneios.
Fiz uma careta. Por tudo o que eu percebia sobre ela, ela percebia muito mais como resposta. Mudei de assunto.
- Então, porque é que a tua mãe casou com o Phil?
Ela hesitou por um minuto antes de responder. – A minha mãe… tem um espírito muito jovem para a idade. Penso que o Phil a faz sentir ainda mais jovem. De qualquer modo, ela é louca por ele. - Acenou a sua cabeça indulgentemente.
- Tu aprovas? – Perguntei-me.
- A minha opinião tem alguma importância? – Perguntou-me. - Eu quero que ela seja feliz…e é ele quem ela quer.
A falta de egoísmo nos seus comentários devia-me ter chocado, excepto que isso encaixava perfeitamente com tudo que eu tinha aprendido sobre a sua personalidade.
- É muito generoso da tua parte… Pergunto-me…
- O quê?
- Julgas que ela demonstraria a mesma cortesia em relação a ti? Independentemente da pessoa sobre a qual a tua escolha recaísse?
Foi uma pergunta idiota, e eu não consegui manter o tom casual na minha voz enquanto lhe perguntava aquilo. Como era estúpido considerar sequer alguém a aprovar-me para a sua filha. Como era estúpido imaginar sequer a Bella a escolher-me.
- Julgo que sim. - Gaguejou, reagindo de alguma forma ao meu olhar fixo. Medo… ou atracção? - Mas, afinal, é ela a mãe. É um pouco diferente. - Finalizou.
Sorri ironicamente. – Então, desde que não se tratasse de alguém demasiado assustador…
Ela sorriu-me. – O que queres dizer com assustador? Múltiplos piercings no corpo e tatuagens generalizadas?
- Suponho que é uma definição possível. – Uma definição nada ameaçadora, na minha cabeça.
- Qual é a tua definição?
Ela fazia sempre as perguntas erradas. Ou talvez exactamente as perguntas certas. Pelo menos as que eu não queria responder, de nenhuma maneira.
- Achas que eu poderia ser assustador? – Perguntei-lhe, a tentar sorrir um bocado.
Ela pensou sobre aquilo antes de me responder num tom sério. - Hum… acho que poderias sê-lo, se assim desejasses.
Eu também estava sério. – Agora, estás com medo de mim?
Ela respondeu de uma só vez, agora sem pensar. - Não.
Sorri mais facilmente. Eu não achava que ela estivesse a dizer completamente a verdade, mas também não estava a mentir por completo. Pelo menos ela não estava com medo o suficiente para querer ir embora. Eu imaginava como é que ela iria reagir se eu lhe dissesse que estava a ter esta discussão com um vampiro. Contraí os meus músculos involuntariamente ao imaginar a sua reacção.
- Então vais agora falar-me sobre a tua família? Deve tratar-se de uma história muito mais interessante do que a minha.
Mais assustadora, sem dúvida.
- O que queres saber? - Perguntei cautelosamente.
- Os Cullens adoptaram-te?
-Sim.
Ela hesitou, e depois falou em voz baixa. - O que aconteceu aos teus pais?
Isto não era assim tão difícil, eu não estava a ter que lhe mentir. - Morreram há muitos anos.
- Sinto muito. - Murmurou, claramente preocupada em ter-me magoado.
Ela estava preocupada comigo.
- De facto não me lembro deles assim tão nitidamente. – Garanti-lhe. – O Carlisle e a Esme já são meus pais há muito tempo.
- E tu ama-los. - Deduziu.
Eu sorri. - Sim. Não consigo imaginar duas pessoas melhores.
- Tens muita sorte.
- Eu sei que tenho. - Naquela circunstância, quanto aos meus pais, a minha sorte não podia ser negada.
- E os teus irmãos?
Se eu deixasse que ela me pressionasse em muitos mais detalhes, eu ia ter que mentir. Lancei um olhar ao relógio, desanimado pelo meu tempo com ela estar a acabar.
- Os meus irmãos, assim como, a propósito, o Jasper e a Rosalie, vão ficar bastante aborrecidos se tiverem de ficar à chuva à minha espera.
- Oh, desculpa, suponho que tens de te ir embora.
Ela não se mexeu. Ela também não queria que o nosso tempo terminasse. Eu gostava muito, muito disso.
- E tu deves querer a tua pick-up de volta antes que o chefe Swan chegue a casa, de modo a que não tenhas de lhe contar o incidente que se deu na aula de Biologia. - Eu sorri com a memória dela envergonhada nos meus braços.
- Tenho a certeza de que ele já soube. Não existem segredos em Forks. - Disse o nome da cidade com um desgosto distinto.
Eu ri-me com as suas palavras. Não existem segredos, de facto. – Diverte-te na praia - Lancei um olhar para a chuva torrencial, sabendo que ela não ia durar muito, e desejando com mais força que o habitual que durasse. – Está bom tempo para tomar banhos de sol. - Bem, pelo menos no sábado ia estar. Ela ia gostar disso.
- Não nos vemos amanhã?
A preocupação no seu tom de voz deixou-me feliz.
- Não. Eu e o Emmett vamos começar o fim-de-semana mais cedo. - Agora eu estava doido comigo mesmo por ter feito planos. Eu podia desmarcá-los… mas não havia nada mais importante do que caçar neste ponto, e a minha família já estava a ficar preocupada o suficiente com o meu comportamento sem eu estar a mostrar o quão obsessivo estava a ficar.
- O que vão fazer? - Perguntou, não parecendo feliz com a minha revelação.
Óptimo.
- Vamos fazer caminhadas em Goat Rocks Wilderness, a Sul de Rainier. - O Emmett estava ansioso pela temporada de ursos.
- Oh, bem, diverte-te. - Disse de forma apática. A sua falta de entusiasmo fez-me feliz novamente.
Ao olhar para ela, comecei a sentir-me quase agoniado pelo pensamento de dizer um adeus temporário. Ela era tão delicada e vulnerável. Parecia imprudente deixá-la fora da minha vista, onde qualquer coisa lhe podia acontecer. E ainda, as piores coisas que poderiam acontecer com ela resultariam de estar a meu lado.
- Fazes algo por mim este fim-de-semana? - Perguntei seriamente.
Ela acenou com a cabeça, os seus olhos arregalados e desnorteados com a minha intensidade.
Manter isto leve.
- Não fiques ofendida, mas pareces ser uma daquelas pessoas que atraem acidentes como um íman, por isso… tenta não cair ao mar, ser atropelada ou algo do género, está bem?
Sorri-lhe pesarosamente, esperando que ela conseguisse ver a tristeza nos meus olhos. Como eu desejava que ela não estivesse melhor longe de mim, independentemente do que lhe pudesse acontecer lá.
Corre, Bella, corre. Eu amo-te demasiado, para o teu próprio bem ou para o meu.
Ela ficou ofendida por ter gozado com ela. Olhou para mim. - Verei o que posso fazer – irritou-se, saindo para fora do carro e batendo a porta com tanta força quanto ela podia atrás dela.
Como um gatinho zangado que pensa ser um tigre.
Apertei a mão à volta da chave que tinha apanhado do bolso do casaco dela, e sorri enquanto conduzia para longe.

1 comentário:

Confessions of an Angel disse...

obrigada pela tradução, pena a stephenie ter parado precisamente antes do capitulo 13 :'(

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